A sociedade dependente

A utilização sem freios de um recurso limitado: os combustíveis fósseis. Será possível um mundo baseado em energias renováveis, tendo em vista o nosso jeito de viver?
por
Fernanda Travaglini
Giovanna Takamatsu
|
13/11/2023 - 12h

 

Luz do sol, água, vento – estes são exemplos de itens indispensáveis para a vida. E mais do que participarem de importantes processos biológicos humanos e de outros seres vivos, também têm sido garantia de energia nessa e em futuras gerações por serem fontes renováveis. Ao contrário do petróleo, que é escasso, energia sustentável é aquela que "es

tá disponível segundo o ciclo natural terrestre", conta o arquiteto Célio Bermann, professor associado do 3º Instituto de Energia e Ambiente da USP. 

Diante de desafios ambientais cada vez mais intensos, multidisciplinares e cujas soluções dependem de mais de um agente, geralmente Estado e Empresariado, problemas relacionados à produção energética se repetem no mundo todo, por diferentes conjunturas nacionais ou internacionais. 

Um estopim da discussão energética, em 1970, é desencadeado pela primeira ‘crise do petróleo’ - a descoberta de que o mineral não é renovável, fez com que sua precificação subisse. O evento foi a faísca inicial de um ciclo de busca global por soluções energéticas renováveis.

 

Os tipos de energias renováveis 

Saltando para 2023, 53 anos após a mencionada crise, o cenário de desenvolvimento tecnológico já permite alternativas ao petróleo. Em entrevista, Bermann ensina que existem alguns tipos de energias renováveis: "ciclo hidrológico (da água) para a hidreletricidade; sol, para a energia solar térmica e fotovoltaica; vento, para a energia eólica; biomassas (lenha e carvão vegetal de reflorestamento, biogás de decomposição de resíduos orgânicos, etanol e biodiesel). Estas são as principais. São também fontes energéticas renováveis a geotérmica; das marés (maremotriz, das ondas); e do hidrogênio (verde, por ser obtido de fontes renováveis)", explica. 

O arquiteto e pesquisador diz que essas fontes podem ser entendidas como renováveis, ou sustentáveis, já que são repostas de maneira imediata pelo meio ambiente, ao contrário dos combustíveis fósseis (petróleo, gás natural, carvão mineral), que levam milhões de anos para se recompor. 

Assim, as energias renováveis são fundamentais para a garantia de luz, transporte, água quente, alimentação entre tantos outros processos que, atualmente, são totalmente dependentes de processos energéticos.

 

Um breve percurso brasileiro nas políticas energéticas

 

 

A chegada da energia no Brasil chega através do capital estrangeiro, em 1879, com a autorização de Dom Pedro II para o norte-americano, Thomas Edison, implementar seus sistemas de iluminação. Após a década de 1940 e até 1960, grande parte da produção e distribuição de eletricidade, petróleo e gás ficou sob encargo dos governos estaduais e federais. Já nos anos 60, o Plano de Metas do governo JK revisou a pauta dada uma crise de energia no sudeste e criou órgãos regulatórios e de fiscalização como o Ministério das Minas e Energia (MME) e o Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE).

Frente aos efeitos da crise mundial do petróleo, em 1985, o governo ditatorial inaugurou uma polêmica proposta, o PROCEL (Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica) que visava racionalizar o uso de energia no país. Na época, o país construiu usinas nucleares e, mais adiante, em 2000, criou o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). 

O novo milênio foi inaugurado com um dos maiores apagões da história do país e o fantasma da racionalização voltou a assombrar o brasileiro: foi o apagão de 2001, um dos maiores na história do Brasil. Entre 2000 e 2010, outras respostas passaram a ser dadas ao problema energético no país: construção de usinas hidrelétricas, termelétricas e de produção de biodiesel. 

O MME criou o programa Luz para Todos, que em novembro deste ano completa 20 anos e já alcançou 17 milhões de pessoas que não tinham acesso à energia, de acordo com dados do Governo. No entanto, de acordo com um estudo do IEMA (Instituto de Energia e Meio Ambiente), somente na Amazônia, 990 mil pessoas vivem sem acesso à luz; e dados do PNAD 2019 indicam que 141 domicílios, em todo território, ainda vivem excluídos do acesso à energia.

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Linha do tempo das políticas energéticas no Brasil. Imagem: Datlo Blog. 

Um panorama das fontes de energia no Brasil

A Empresa de Pesquisa Energética (EPE), ligada ao governo brasileiro, é a responsável por produzir relatórios e organizar dados sobre o setor no país. Em dez anos, de acordo com os dados da instituição, houve uma melhora de 5% na troca de combustíveis fósseis pelas energias renováveis: 

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Em 2022, 47% da Oferta Interna de Energia (OIE) é renovável; 52,6% não é. Dez anos antes, em 2012, 42% da OIE é renovável e 52,6% não é – representando um avanço de 5%. Imagens: EPE, Balanço energético nacional 2023 e 2013, relatório síntese. 
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Em 2022, 47% da Oferta Interna de Energia (OIE) é renovável; 52,6% não é. Dez anos antes, em 2012, 42% da OIE é renovável e 52,6% não é – representando um avanço de 5%. Imagens: EPE, Balanço energético nacional 2023 e 2013, relatório síntese. 

 

Bermann aponta que, no cenário brasileiro, não há que se falar em 'transição energética': "a necessidade dessa transição está colocada para os países desenvolvidos altamente dependentes dos combustíveis fósseis (petróleo, carvão mineral e gás natural). Falar em transição energética no nosso país é reproduzir o caráter do colonialismo que marca a nossa histórica. Prefiro falar em diversificação energética, necessária para reduzir nossa dependência relativa dos combustíveis fósseis."

Mesmo diante do singelo crescimento na utilização de energias renováveis entre 2012 e 2022, 35%, ou seja, um terço da matriz energética concentra-se no petróleo e seus derivados. Ainda é um panorama de dependência. 

 

Quais são os problemas das energias não renováveis? 

Como o nome bem indica, o petróleo, gás natural e carvão mineral são recursos escassos, e que um dia vão acabar. Em um levantamento da British Petroleum (BP), o esgotamento das jazidas de petróleo está previsto para 2067. É necessário lembrar que a teoria mais aceita sobre a origem deles é a teoria orgânica. Nela, é suposto que eles são resultado do soterramento de plantas/animais por camadas de terra, ao longo dos vários anos de existência do Planeta Terra. Por causa da temperatura e pressão aplicadas a esse material, ele acaba se transformando em cadeias de hidrocarbonetos. 

origem do petroleo
Formação do petróleo. Imagem: http://filipedebarros.wordpress.com/2009/04/20/277

É possível entender o porquê dessa limitação. O petróleo que é consumido hoje, é resultado de 10 a 500 milhões de anos de evolução. Em uma entrevista a Universidade Federal de Pernambuco, o professor de Geografia Antônio Barbosa, explica: “o hidrocarboneto, do petróleo gás, que era facilmente encontrado na natureza, esse nós já exaurimos. Basicamente, metade das reservas conhecidas já foram exauridas”.   

O homem virou totalmente dependente dos recursos não-renováveis. Eles facilitam a vida. Derivados do petróleo, como o diesel e a gasolina, fazem parte do cotidiano, sendo o combustível para carros, ônibus, metrôs e trens - e vai muito além disso, sendo essencial para a economia mundial, movendo aviões e navios. Dentro de casa, o gás natural, seja encanado ou de botijão, tem um papel importantíssimo nas tarefas domésticas, como cozinhar e tomar banho.

consumo de petroleo
Consumo de combustíveis fósseis no mundo, em terawatts-hora, em 2022. Imagem: Our World in Data.

 

A partir dessa noção de finitude, é possível entender de onde vem a necessidade de uma transição energética, ou pelo menos, uma diminuição da dependência dos combustíveis fósseis. Mas existe uma grande questão ambiental. 

O funcionamento dos combustíveis fósseis se baseia na combustão deles. Na reação de combustão, o hidrocarboneto se combina com o oxigênio e resulta em água e hidróxido de carbono (CO2). Ou seja, liberamos altas quantidades de CO2 em atividades cotidianas. Segundo dados do Global Carbon Budget, em 2022, um brasileiro libera cerca de 2,3 toneladas por ano.

liberação de co2
Liberação de CO2 per capita no Brasil. Imagem: Our World in Data.

 

Mas qual é o problema? O dióxido de carbono é o principal gás de efeito estufa. Isso significa que a presença dele na atmosfera faz com que uma maior quantidade de calor seja retida, assim aumentando a temperatura terrestre - ou seja, causa o aquecimento global. 

Além disso, o CO2 é responsável por vários outros problemas ambientais e sociais. Bermann diz que “no contexto global, as principais consequências são as mudanças climáticas, com eventos extremos cada vez frequentes e intensos; e a debilitação da saúde pública, devido à exposição a polientes atmosféricos como os óxidos de enxofre, de nitrogênio, monóxido de carbono, material particulado, fumaça, muitos destes poluentes são  carcinogênicos e que afetam o trato respiratório da população a eles exposta, principalmente nos grandes centros urbanos”.  

 

Entenda um pouco mais sobre a dependência de combustíveis fósseis:

https://www.youtube.com/watch?v=ZPmEbfGlJl0&t=96s

 

O que você pode fazer? 

É importante entender que os maiores responsáveis pelos danos ambientais no mundo são os mais ricos e que as atividades que mais poluem são as industriais, como as petrolíferas, têxtil etc. No Brasil, o agronegócio é o setor que mais libera gases de efeito estufa (GEE), por utilizar recursos como desmatamento ilegal para realizar suas atividades. Além disso, mesmo que o preço da energia renovável esteja diminuindo, é muito difícil para o brasileiro fazer mudanças individuais. 

Por exemplo, substituir um carro de combustível fóssil por um elétrico é uma ação pessoal, que diminuiria a liberação de dióxido de carbono, mas isso é inviável para muitos brasileiros, devido ao custo, além de ser quase insignificante.  

“É evidente que uma ação individual é insuficiente, apenas uma gota no oceano. O poder público pode e deve dar sua contribuição, com políticas públicas indutoras nessa direção. Entretanto, além do governo e da população, cabe às indústrias, comércio, serviços, transporte rodoviário, ferroviário, marítimo, aeroviário darem também sua contribuição, pois são os assim denominados “setores produtivos” os principais responsáveis pelos danos ambientais, que comprometem a existência de todos os seres vivos no nosso planeta”, afirma Bermann.

A população deve, portanto, cobrar das indústrias e do governo por um desenvolvimento mais sustentável. Mas é importante entender que é necessário também sempre realizar escolhas mais conscientes, dentro do possível da condição de cada um, como trocar o transporte privado pelo público, ou preferir moradias sustentáveis, com energias renováveis (como as casas containers). Entretanto, se não houver uma mudança daqueles que mais poluem, a ação individual não faz sentido.  

Esta reportagem foi produzida como atividade extensionista do curso de Jornalismo da PUC-SP.