A situação dos profissionais de saúde durante a Pandemia

Uma análise sobre o estado de saúde física, mental e emocional dos membros da linha de frente
por
Enzo Cury e João Victor Capricho
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22/06/2021 - 12h

Por Enzo Cury e João Victor Capricho

Acordar, tomar café, se preparar para o trabalho, pegar um ônibus lotado, chegar ao hospital, vestir o EPI, atender um mar de gente, e até perder algumas...
Adentrando a UTI e sentindo o frio advindo do ar-condicionado, que permeia o ambiente, ela entende que está na hora de dar início aos trabalhos na linha de frente.

Essa é a rotina de Maria fisioterapeuta pós-graduada e membro ativo da linha de frente em dois hospitais diferentes na grande São Paulo.
Não é novidade para ninguém que o Brasil vive uma das maiores crises sanitárias, senão a maior de sua história. O país chegou à inimaginável marca de mais de 3000 mortes em um dia, além de ser um dos recordistas no número geral de óbitos, com mais de 300.000 famílias destruídas em pouco mais de 1 ano.

Além da Covid, diversas pessoas, que sofrem de diferentes enfermidades, estão falecendo na fila de vários hospitais ao redor do Brasil. A Covid não é único mal que assola nosso país ultimamente, mas, como é possível observar, não há prioridade para o tratamento de outras doenças, e nós até nos esquecemos que outros tipos de problemas existem.

Com a má atuação do governo, a ausência de infraestrutura e logística no manejo da crise, toda a carga acaba se concentrando nas áreas que mais se expõem, na tentativa desenfreada de parar o avanço da doença no Brasil. E, como já é sabido por todos, os profissionais de saúde têm sido os que sofrem a maior parte deste impacto.

Carregar nos ombros o peso de milhares de vidas, não é apenas cansativo para o corpo. Muito além disso, a estafa física e mental, que está acometendo os profissionais de saúde, tem se tornado um problema grave dentro do meio. As sequelas, advindas da rotina ultra estressante, podem ser de grande impacto em sua vida, podendo ser até irreversíveis...

E a exaustão não afeta o profissional apenas durante o plantão. A situação que médicos, enfermeiras, anestesistas e outros diversos membros da área passam, todos os dias, possui reflexos severos em todos os âmbitos de sua vida.

Somando ao cansaço, como se isso já não fosse o suficiente, todos aqueles que agora estão na linha de frente do enfrentamento a Covid, sabem que estão expostos. Isso os obriga a tomar certas medidas de precaução, como o distanciamento dos entes queridos, por exemplo.

Em conversa com Maria, foi possível entender um pouco de como é a rotina de um membro da área da saúde neste momento.

“Eu faço tudo sozinha. Eu como sozinha, tomo café sozinha e me mantenho afastada. Eu falo com meus familiares, mas, por exemplo; no aniversário da minha mãe fiquei muito triste por não poder abraçá-la, eu evito ficar próxima e falo com eles à distância. Faço minha rotina separada, minha roupa é separada e acabo ficando mais no meu quarto” - relata nossa entrevistada.

Maria de Jesus é apenas um exemplo dos milhares de profissionais de saúde e membros da comunidade científica que tem se entregado de corpo e alma, na tentativa de amenizar a situação atual.

imagem aproximada de um profissional de saúde colocando luvas

A situação dos hospitais durante a Pandemia

Como já é de ciência geral, com o agravamento da pandemia no Brasil e a ausência de infraestrutura hospitalar adequada, que supra as demandas por equipamentos, como leitos, tubos, tanques de oxigênio, entre outros, controlar o vírus está cada vez mais difícil. 

A situação encontrada nas Unidades de Terapia Intensiva, de acordo com diversos relatos, assemelha-se a um cenário de guerra.  O panorama se dá por, no mínimo, caótico, e reflete o quão grave é a situação pela qual nosso país está passando.

Para maior entendimento, a ocupação de leitos no estado de São Paulo já passa dos 92%. Com isso, não é de se surpreender que o sistema de saúde do estado entre em colapso, de acordo com as projeções atuais, que se referem ao avanço da pandemia no país. 

Entretanto, a Covid-19 não é a única enfermidade que acomete a população. No cenário atual, pacientes com outras comorbidades padecem no aguardo de leitos e na expectativa de internação. 

bebê dentro de incubadora

A saúde mental dos trabalhadores da saúde
Ao mesmo tempo que muitos possuem o privilégio de poder ficar em casa, esta não é a realidade dos trabalhadores da saúde. Muito pelo contrário, os profissionais da linha de frente reforçam a necessidade de, se possível, ficar em casa neste momento, mas,em contrapartida, são obrigados a sair todos os dias para exercer a profissão.

Porém, neste caso, o ambiente hospitalar não é mais o cerne da questão. Por incrível que pareça, ambientes que também podem afetar, e muito, o bem-estar de um profissional de saúde, podem ser suas próprias casas, grupos de amigos, etc…

Soa improvável, mas este tipo de distanciamento tem se mostrado comum. De acordo com uma nota, que foi emitida pela Secretaria de Saúde do Distrito Federal, em Março de 2020, um dos principais fatores de risco relacionado ao sofrimento psíquico dos profissionais de saúde, é a estigmatização por trabalhar com pacientes infectados pela COVID-19. Por necessitarem de medidas de biossegurança muito estritas, os profissionais acabam sendo vistos como “ameaças”, ou até como um possível vetor, e acabam sendo hostilizados e até evitados pelos familiares e amigos, afirma a cartilha.

Além disso, por conta da exposição, é necessário que aqueles na linha de frente, se possível, se distanciam daqueles com quem convivem. E é justamente nesse momento que surge a solidão. Ela não está diretamente relacionada ao estranhamento por parte do círculo social em que a pessoa vive, mas é agravada por ele.

Neste momento, existe uma somatória de fatores que afetam a psique de alguém: a estafa emocional e física, a responsabilidade, o excesso de trabalho tido como em vão e, como estopim, a completa ausência de um outro, para com quem essa pessoa possa desabafar e liberar um pouco a carga emocional.

Com o agravamento da situação da pandemia em nosso país, esta situação tende a piorar, e o ciclo acaba por se tornar vicioso. Com isso, não será impressionante que diversas pessoas abram mão de seu ofício, justamente por não aguentarem mais e não verem uma saída ou um fim para esta situação.

enfermeira uniformizada sentada ao chão e olhando para cima dentro de corredor hospitalar

Como a saúde física é impactada
Para além do risco de contaminação, a saúde física dos profissionais de saúde também corre sério risco em meio à pandemia. Além do estresse e esgotamento mental, que são os principais aspectos que entram em voga quando se trata da saúde de um profissional da área, também é preciso pensar na qualidade de vida e na rotina daqueles na linha de frente.

Não é novidade, que os problemas que afetam o psicológico podem ter efeitos preocupantes no corpo físico, mas também é preciso ponderar os reflexos que o dia-a-dia traz: aparato que limita a movimentação, excesso de trabalho, má alimentação, privação de sono e entre outros. São situações recorrentes, pelas quais todo profissional de saúde tem passado. Maria de Jesus relata:

“Até que minha saúde física anda bem, mas me sinto muito mais cansada mentalmente. Além disso, é normal nós (trabalhadores da saúde) ficarmos fatigados. Eu perdi peso, pois a rotina é muito corrida. Uma amiga minha está até com problema no estômago por conta da dificuldade de se alimentar devido a correria. Eu tenho sorte de minha mãe me ajudar nessa questão. Também tem os que apresentam enxaqueca constante, ou seja, todos os sinais do cansaço, e isso é normal entre os colegas. Parece que nossa atividade cansa duas vezes mais do que deveria por conta da situação.” - relata a fisioterapeuta.

O emocional dos membros da linha de frente
Saúde emocional e saúde mental são costumeiramente confundidas e tidas como a mesma coisa por muitos, e apesar de apresentarem algumas semelhanças, não são exatamente a mesma coisa.

Ao passo que a saúde mental está relacionada com o lado racional, nossa saúde emocional está ligada aos sentimentos e emoções. Porém, ambas possuem o mesmo efeito: a forma com a qual nos relacionamos com o ambiente a nossa volta.

De acordo com o professor, hipnólogo e clínico, Alessandro Baitelo, "O que diferencia entre a saúde emocional e saúde mental são alguns elementos sutis, como por exemplo a forma como cada uma pode ser vista. A saúde emocional é mais fácil de ser percebida por outras pessoas, uma vez que se trata diretamente da forma como se lida com outros indivíduos.

Já a saúde mental é um pouco mais complexa, pois uma vez que envolve questões químicas cerebrais, pode ser mais difícil perceber sinais de que o indivíduo não está com a saúde plena. Portanto, ambas estão ligadas à relação de um determinado sujeito com os indivíduos e com os ambientes com os quais este se relaciona, mas os impactos que ambas as áreas possuem nesse sujeito, são diferentes".

De acordo com as informações apresentadas, já é de se esperar que os profissionais de saúde apresentem mudanças drásticas em seu comportamento daqui para frente, principalmente com o aumento significativo dos casos, que ocorreu em questão de meses.


Maria, a fisioterapeuta que nos contou um pouco sobre sua situação como profissional de saúde, afirma: “As minhas relações foram muito afetadas por conta da minha rotina. Na pandemia nós não temos contato com as pessoas e a minha rotina faz com que eu não consiga ter tempo para responder mensagens, por isso acabei me afastando de alguns amigos. Nem todo mundo entende que você tem trabalhado muito e não tem tempo para conversar.

Eu só vejo as pessoas do meu trabalho e a minha família, porque eu evito ao máximo sair e ter contato com outro alguém.”
Além disso, a ausência de um momento para se distrair e relaxar, também tem grande impacto em nosso comportamento, tendo em vista que não existe mais a “válvula de escape” para a rotina estressante. Nossa entrevistada, por exemplo, afirma que já não dispõe mais de tanto tempo livre em sua rotina, mas, quando o tem, usa apenas para dormir e se recuperar de mais um dia no qual mais algumas vidas foram perdidas.
O relato de Maria não se deve apenas a sua responsabilidade como profissional, mas, também se dá pelo emocional abalado devido a sua rotina.

 

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