SEMANA DO JORNALISMO DISCUTE A IMPORTÂNCIA DO OUVIR NO MEIO FOTOGRÁFICO

4ª mesa do evento, da PUC-SP, desvenda onde se encontra o lugar da potência, da arte e do cotidiano riquíssimo
por
Milena Camargo
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08/07/2021 - 12h


"Dá ponte pra cá: o olhar fotojornalístico das periferias”, esse foi o tema abordado na mesa ocorrida terça-feira (9), das 19h às 21h. Cristiano Burmester foi o mediador da roda de conversa, que foi composta por cinco fotógrafos “periféricos”: Daniel Eduardo, Ton Valentim, Josiane Santana e Jessica Batan. O evento aconteceu de forma remota, através da plataforma de vídeo Zoom, e contou com apoio de interpretação de libras - entendendo que esse recurso é indispensável para inclusão.

Jéssica Batan, foi a primeira a se posicionar. A jornalista, formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explicou que o hábito da fotografia foi herdado da mãe, que também é fotógrafa. Entretanto, o olhar documental foi adquirido durante os anos de universidade, quando a também moradora do bairro de Realengo – RJ, apreciava e registrava, através da objetiva, o trajeto da Urca - RJ – localidade da cidade universitária - até sua casa.

Nossa vida diária não são só as mazelas que o Estado nos dá”. Batan, iniciou uma grande crítica, que foi não só aprovada, mas complementada por todos da roda. O olhar estereotipado da precariedade e miséria das periferias é algo que incomoda e precisa ser revisto: “As pessoas passam a mensagem de que a favela é só isso”, completou: “não é o que me define”.

quebrar a taxação da favela como algo ruim” esse também é o objetivo de Daniel Eduardo, 26, morador de Paraisópolis - bairro favelizado da cidade de São Paulo. O fotógrafo explicou que enxergava a fotografia como uma realidade muito distante. A mãe de Daniel foi a percursora direta e indireta desse grande sonho. Direta por impulsionar e incentivar; indireta por ser faxineira de uma grande fotógrafa, que abriu caminhos para esse sonho. Como aprendiz da patroa da mãe, o fotógrafo começou a se desenvolver na área, e viu ali, a oportunidade de mudar sua vida – realmente mudou. E mais que isso: é inspiração para os seus.

@projetoclicknafavela, esse é o user do instaram, de um grande projeto que incentiva e proporciona oportunidade de desenvolvimento, profissional fotográfico, para milhares de crianças e adolescentes da favela de Paraisópolis. Daniel, afirmou que o projeto também tem a preocupação de salientar que: “Pessoas de favela, têm que mostrar pessoas de favela”, isso é importante para que o estigma da periferia como algo ruim deixe de atingir os moradores. Ou seja, o projeto busca a auto valorização do espaço e das pessoas que ali vivem.

Josiane Santana, moradora do Complexo do Alemão - bairro que abriga um dos maiores conjuntos de favelas no Rio de Janeiro – foi salva por um projeto cujo intuito era o mesmo do citado acima. “Até os 25 anos, não tinha perspectiva. Casada, mãe, vivendo para o marido e para casa: descobri uma traição”. Diante desse contexto, a mãe solteira viu seu chão se abrir, desempregada, foi abandonada, e acabou voltando para a casa da mãe. Assim começa mais uma grande história sobre o empoderamento da mulher periférica. Josiane começou a trabalhar como recepcionista em uma ONG, que oferecia diversos cursos gratuitos para os moradores do Alemão. Aproveitou a oportunidade e se inscreveu no curso de fotografia, decisão que reverberou mudanças e conquistas extraordinárias.

Fotos publicadas no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM), no Instituto Tomie Ohtake, participação no Cannes em 2017, e bolsa integral no curso de jornalismo da Facha – universidade de Elite do Rio de Janeiro. Josiane, entende que é uma inspiração e exemplo de empoderamento para muitas pessoas, e, diante disso, um ponto importante de seu olhar fotográfico e consequentemente do que ela busca inspirar, foi colocado: "Optei por mostrar o outro lado. O lado da potência, da arte e do cotidiano riquíssimo de um lugar tão complexo, chamado Alemão”. A fotógrafa também faz parte de um grande projeto chamado Favela Grafia (@favelagrafia – user do Instagram), cujo intuito é também inspirar pessoas e quebrar as normativas contra hegemônicas, destruindo o preconceito.

O diretor do Favela Grafia, Anderson Valentim, ou, Ton Valentim – seu nome artístico-, foi o último a se colocar na roda. Morador do Morro do Borel – comunidade localizada no bairro da tijuca na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro-, afirmou que desde criança possui um fascínio pelo visual. “A rotina e a necessidade de ganhar dinheiro nos deixam entre os sonhos e a vivência”, afirmou Ton, ao se referir ao seu processo de escolha profissional. “Ia pra faculdade para encontrar a galera da música e da arte”, foi assim que descreveu o motivo de sua desistência do curso de Automação Industrial. Logo, após o abandono, o fotógrafo se encontrou no curso de Design gráfico: “Eu gostava de tudo”.

Ton, conheceu a fotografia profissional na universidade e afirmou, que como design, busca um estilo próprio nas imagens. Atrelado ao lado artístico, se diferencia dos outros participantes da mesa, que são voltados para o documental. Mas assim como todos, afirma que seu principal papel como fotografo é trazer um diálogo que desmistifique a periferia e traga uma nova narrativa. Junto com o Favela Grafia, conseguiu parcerias muito significativas com a agência NBS e com a Apple – que disponibilizou aparelhos celulares para o projeto. O propósito de mudar a visão estereotipada sobre a favela repercutiu mundialmente ganhando dois Leões em Cannes em 2017, em Entertainment e em Design. Além disso, foi exposto no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
 

Pratiquem a escuta...”

No final do evento, se abriram espaço para perguntas. Ao ser interrogada sobre como jornalistas e fotógrafos, não periféricos, devem cobrir periferia, Batan respondeu: “É necessário contar, mas devemos saber, como contar isso: quem está chegando deve se lavar dos estereótipos antes de ir para aquele lugar”. Daniel complementou: “Antes, estude fotógrafos de periferia, os que não são “hypados” (gíria que equivale a “muito conhecidos”) e possuem trabalhos incríveis. Por fim, Josiane acrescentou: “Pratiquem a escuta, e tomem cuidado para não tomarem o lugar de fala”.

Quando interrogados sobre o caso de Kathleen Romeu - grávida, moradora do complexo do Lins, que foi morta durante uma operação ilegal da polícia, no mesmo dia do evento (8/6) -, Batan confessou só ter parado de chorar, pelo caso, por conta do compromisso com a mesa. Além disso afirmou que a existência antecipa a identificação, então, para que haja representatividade os pretos periféricos precisam continuar existindo.

Quando se é negra tem que andar com a nota fiscal das coisas”. Afirmou Batan, sobre um dos motivos de preferência pelo uso de celular, ao invés das câmeras. Josiane acrescentou: “Já tive que pedir permissão para tirar fotos com a câmera”, nesse sentido o celular acaba sendo mais eficaz, além do imediatismo, que na área documental, é um ponto relevante para a escolha entre ambos. Daniel ressaltou ainda, que o povo periférico é avesso às câmeras justamente por medo de serem retratados de forma pejorativa, e nesse sentido, acrescentou ele que se faz necessário habitua-los com uma retratação positiva. Apesar de ser um processo lento, terá grande resultados futuramente.

como viver de arte em condições financeiras desfavoráveis?”. Essa foi uma questão pincelada durante toda a mesa, com exceção de Ton, todos afirmaram já terem trabalhado retratando eventos para poderem se sustentar. Mas a paixão de todos está atrelada a questões sociais sejam elas, artísticas ou documentais. Diante disso, Ton afirmou: “O audiovisual é muito caro, essa é realmente a primeira barreira. Mas querendo ou não, o celular é uma ferramenta democrática: trabalhe o olho!”.

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