Como não sentir a necessidade de abdicar de torcer pela nossa seleção ao assistir a um dos melhores jogadores na história do futebol brasileiro e mundial apoiar o fascismo? A morte, o absurdo, a fome, a peste, o horror de seu povo. Como apoiar a Seleção ao notar que parte dos jogadores e da comissão técnica acompanha Neymar? Olhar a “amarelinha” e não associá-la à extrema-direita?
Como, ao mesmo tempo, não comemorar o nosso país, os outros jogadores, o nosso futebol, o nosso povo?
Como, da mesma forma, engajar, gritar gol, assistir tranquilamente a uma copa sediada na ditadura do Catar? Onde os trabalhadores imigrantes, que ergueram os estádios luxuosos, sofreram com as inúmeras violações de direitos humanos, trabalho escravizado, mortes, e demais atrocidades, onde mulheres, LGBTs, e outras minorias são considerados sub-humanos?
E como, ao mesmo tempo, negar o sentimento de excitação com uma copa do mundo, a afetuosidade, o elemento mágico que carrega, o espetáculo que proporciona?
O primeiro dilema é o mais comum entre os torcedores. Acabamos de sair de uma das eleições mais importantes da história do Brasil, em que foi preciso reunir todas as forças democráticas para derrotar o fascismo e a barbárie bolsonarista. A camisa amarela da seleção virou símbolo do golpismo e do fascismo. Neymar, que hoje já não é figura central na seleção quanto já fora, mas que ainda é o maior símbolo do futebol brasileiro atual, rompeu acordos com seus colegas jogadores e usou sua imagem para fazer campanha para a extrema-direita de forma intensa. Disse que dedicaria seu primeiro gol a Bolsonaro.
Ainda na seleção, temos outros exemplos de jogadores que apoiaram o futuro ex-presidente Jair Bolsonaro, e algumas exceções discretas, como Éverton Ribeiro, e, imaginamos, Richarlison, que quando pode defende os direitos das minorias, inclusive apoia possíveis manifestações contra a LGBTQ+fobia do país sede.
O segundo dilema parte de um problema um pouco mais desconhecido em sua totalidade. Se nos baseamos em algumas coberturas jornalísticas, encontramos traços culturais do país e poucas menções aos horrores proporcionados pela ditadura que lá existe.
Guilherme, estudante universitário e torcedor brasileiro de 22 anos, ainda não consegue desvincular a camisa amarela do bolsonarismo, mas não deixa de torcer pela seleção brasileira:
“Para mim, não faz diferença nenhuma na minha torcida. No fim o que importa é o Brasil, quem ganha é o Brasil, o que vai ficar pra história é o hexa, se ganhar, não alguns de extrema direita que jogaram na seleção. A opinião deles é ofuscada pelo país inteiro que comemora, para o mundo o que se sobressai é a seleção e seu legado no campo. Sobre a camisa amarela, ainda prefiro usar outras cores, acho que precisa ser feito um esforço para recuperarmos essa camisa. Estou consciente do que acontece no Catar em relação às violências. A copa não devia ser lá, assim como não devia ter acontecido na Rússia. Devia ter requisitos básicos, de respeito aos direitos humanos para um país sediar a copa.”
O sentimento do estudante quanto à camisa da seleção é compartilhado por alguns brasileiros. Há quem encontre alternativas oficiais e não oficiais para separar a camisa do país da extrema-direita, ao personalizar ou escolher outra cor, ou quem reafirme a camisa esperando que a Copa dilua a imagem forte que se firmou sobre ela, tarefa supostamente mais fácil com a derrota de Bolsonaro nas urnas.
Um caminho sugerido por alguns é aceitar a impossível separação, admitir nossas contradições e procurar maneiras inventivas de olhar o futebol, de torcer conscientemente, de criticar, se posicionar politicamente e vibrar, talvez focar no lado do Brasil e do futebol mundial que realmente nos dá esperança e merece ser visto, ouvido e sentido. Para outros, a Copa não comove e empolga como antigamente, as violências e falseamentos do Catar diante do mundo retiram a alegria, a camisa amarela é irrecuperável; preferem torcer por alguns jogadores apenas; vibrar pelo Brasil ficou amargo demais nos últimos tempos. E há quem transite por todos esses sentimentos.
Espera-se que, futuramente, não pese tanto torcer pelo Brasil ou assistir com entusiasmo a uma Copa do Mundo.