Ao chegar na casa de um amigo, se é recebido na porta pelo anfitrião, e não é diferente na portinha da rua Álvaro de Carvalho, que dá acesso à Ocupação 9 de Julho. É de praxe a recepção feita por um dos 500 moradores para o tradicional almoço de domingo. Promovido por moradores e voluntários, o evento que acontece no último final de semana de cada mês tem se tornado ponto do circuito "cult" de São Paulo, servindo desde comida caseira até bebidas alcoólicas, sucos, diversos doces e um ambiente descontraído e amigável.
O prédio tem sido moradia de integrantes do Movimento dos Sem Teto do Centro (MSTC) desde 2016. Muito deles vindos da ocupação do Hotel Cambridge, que hoje está desocupado e passa por revitalização. O acordo é que, quando apto para habitação novamente, os apartamentos serão financiados pelo governo federal a valores flexíveis às famílias que lá residiam. Como o prazo para entrega da reforma é somente para 2021, grande parte dos moradores se abrigaram no prédio vizinho, dando início a Ocupação 9 de Julho.
O evento existe há aproximadamente dois anos e se expandiu rápido. Graças a uma rede de moradores, voluntários e ativistas, a abertura da Cozinha Ocupação 9 de Julho ao público é uma forma eficaz de romper a barreira com as pessoas de fora e se consolidar fisicamente. A popularidade vinda dessa interação se tornou também uma proteção. Com a quebra do isolamento, o movimento se integra de fato á sociedade ao invés de ser marginalizado. As pessoas passam a conhecer quem faz parte desse grupo pela convivência durante os fins de semana e assim podem quebrar estereótipos sobre ocupações urbanas.
Além dos tradicionais almoços, o edifício também é aberto para oficinas, palestras, exibição de documentário, e festas típicas, como o "Arraiá da Resistência" em junho com o apoio da Prefeitura e da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. Na ocasião, Felipe Catto, Mariana Aydar, Marcelo Jeneci, Ana Cañas é outros músicos se apresentaram gratuitamente para o público presente. Inclusive, a presença de artistas e personalidades conhecidas é frequente no espaço. O ex-senador Eduardo Suplicy, um dos maiores apoiadores do movimento, escolheu o local para celebração de seu aniversário neste ano.
"O investimento inicial foi de nove mil reais e a receita que circula durante o ano chega a praticamente 90 mil. Não é muita coisa, na verdade, mas é um capital de giro suficiente para continuar fazendo os próximos eventos. A reforma da cozinha também foi feita com esse dinheiro", contou Néle Azevedo, artista plástica e voluntária da ocupação. "Os almoços também ajudam na renda de algumas famílias. São 10 pessoas que trabalham cozinhando e recebem para isso. Além disso, as barraquinhas de fora também são de moradores do prédio".
À exemplo disso, o Coletivo Empodera foi um projeto que nasceu dentro da ocupação, formado essencialmente por mulheres que buscavam independência financeira, e hoje comercializam alimentos regularmente. Um curso profissionalizante foi feito por todas e hoje, elas conseguem vender quiches e alfajores caseiros e veganos sem adição de conservantes.
O prato da casa fica por conta de um grupo específico de moradores, que se organizam na cozinha sempre deixando o espaço de convivência limpo e democrático. No dia 22 deste mês Fernando Goldenstein Carvalhaes e Leonardo Andrade, membros da Companhia dos Fermentados, comandaram a cozinha oferecendo o prato do dia: chucrute, costela de porco, abóbora e arroz integral. Para os veganos, abobrinha, tomate e cebola grelhada também participam do cardápio. Todas as salas do mesmo andar disponibilizam mesas e cadeiras comunitárias e sempre existe fila até a cozinha, das 11 às 16 horas.
Além do espaço externo, onde quase todas as paredes são cobertas de grafites, o prédio fica aberto a visitação guiada e, no último andar, a galeria RE O CUPA fortalece os laços entre a produção artística e movimentos sociais. Inaugurada em outubro do ano passado, a galeria usa do espaço robusto e amplo do que anteriormente era o antigo saguão como forma de potencializar a ocupação e convergir as diversas experiências entre artistas, curadores e arquitetos que são fora do circuito. Acima de tudo, a criação da Ocupação e da galeria são instrumentos de articulação, que participam do meio cultural e já fazem parte da agenda da população de São Paulo.