“Se A Vida Te Der Tangerinas” tem beleza, ensinamentos e reviravoltas originais

Protagonizado por IU e Park Bo-gum, o K-drama mostra como é possível florescer em meio às limitações e às inevitáveis dificuldades de cada momento
por
Ana Julia Bertolaccini
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11/09/2025 - 12h

Dirigida por Kim Won-seok e escrita por Lim Sang-choon, a produção sul-coreana “Se a vida te der tangerinas” não traz muita novidade em relação aos dramas sobre a inconstância da vida, mas é exatamente isso que a faz tão comovente. No tempo em que a racionalidade suprime as emoções, a obra é construída a partir de cenas que nos estimulam a sentir, antes de pensar. Estrelada por IU e Park Bo-gum, a série explora as experiências e os sentimentos que são frequentemente sufocados pelas circunstâncias de um contexto social menos favorecido. 

A protagonista, “Ae-sun” (IU), é filha de Jeon Gwang-rye (Yeom Hye-ran), que trabalha como haenyeo, uma mergulhadora tradicional da Ilha de Jeju. Um trabalho árduo, cansativo e mal remunerado. De início, cria-se uma expectativa de que o drama venha a se desenvolver a partir de uma história de superação, mas não é em cima disso que a obra é estruturada. O amor chega à porta de Ae-sun ainda criança e, na adolescência, ela é obrigada a escolher entre se casar com um homem mais velho, rico e sem empatia, ou permanecer na ilha com seu companheiro de vida por quem é apaixonada, Gwan-sik, interpretado por Bo-gum. 

Bo-gum tem carisma e uma grande facilidade de expressar sentimentos através do olhar e das expressões faciais, o que contribui para as cenas românticas do casal. IU, por sua vez, expressa bem a astúcia e a ambição de uma personagem que é sufocada pelas limitações impostas pela sua condição social. A amante de livros que sonha em ser poetisa, mas que precisa vender repolhos para sobreviver, funciona como denúncia de uma sociedade que privilegia poucos e exclui os desfavorecidos. 

O clichê acaba quando uma grande tragédia atravessa a vida da família. É neste momento que um dos assuntos mais importantes da trama entra em cena: o luto. Em grande parte dos filmes e séries, essa experiência tão complexa e particular é tratada como um período único de tristeza e falta de propósito quando, na verdade, precisa ser vivida ao mesmo tempo em que todas as outras coisas da vida continuam a acontecer. 

No drama, é possível perceber como cada parte do casal protagonista vive o luto. A dificuldade em olhar para outras famílias nas ruas, a culpa e o vazio deixado pela falta de um integrante da família; todos esses detalhes são experimentados por ambos os personagens durante anos. O silêncio, no entanto, fica no centro dessa experiência tão difícil. E essa angústia reprimida é muito bem retratada na sucessão de episódios. 

Um salto cronológico coloca Geum-myeong, a filha mais velha de Ae-sun, e seu irmão Eun-myeong, no foco da narrativa. Essa transição acontece quase que naturalmente no enredo e apresenta uma reflexão sobre o peso que traz a hierarquia familiar. Ver a filha alcançar objetivos que pareciam tão distantes da sua realidade é tão gratificante que os contratempos parecem ser mais leves para Ae-sun. A jovem, por sua vez, sente uma profunda culpa por saber das situações que seus pais precisam passar para mantê-la. Em meio ao caos da relação entre os pais e a filha mais velha, Eun-myeong cresce na sombra da irmã, sempre em busca da atenção dos pais.

Geum-myeong que, assim como Ae-sun na fase da adolescência, também é interpretada por IU, têm a essência da mãe, mas lida com desafios completamente diferentes. O diferencial da obra é traduzir como isso acontece na prática, deixando claro as perspectivas de ambas as personagens. “Se a Vida Te Der Tangerinas” ensina que a grande maioria dos problemas não podem ser resolvidos por meio de soluções pré-estabelecidas por experiências individuais. 

O irmão mais novo, Eun-myeong, não consegue resolver todos os problemas e assumir as responsabilidades que batem à porta. O filho que sempre foi deixado em segundo plano - não por falta de atenção, mas por uma rivalidade silenciosa, constante e internalizada - acaba tendo dificuldades em lidar com a vida adulta. A sensação de insuficiência aparece com as atitudes do personagem, que busca na ambição inconsequente uma saída para a tentativa salvar a família da pobreza. 

A linha do tempo muito bem definida é um dos principais pilares do drama. Enquanto os filhos vão crescendo, os pais vão envelhecendo. A filha, que agora é mãe, ainda precisa ser a preferida dos pais quando as coisas se tornam difíceis. O mais novo, apesar de não ser representado com a devida importância, tem parte de sua identidade pessoal construída e consolidada na narrativa. “Se a Vida te der Tangerinas” mostra que ser pai, mãe, filho, filha, companheiro e companheira são tarefas conjuntas e que podem ser destinadas aos mesmos personagens. 

A direção não poupa o enredo de grandes tragédias, o que traz uma maior veracidade e aproxima a ficção da vida real. Nenhum personagem é intocável. O recomeço é representado inúmeras vezes como uma saída para os obstáculos vividos pelos personagens durante as cenas, mais uma característica de uma narrativa ficcional que imita a realidade.

Nenhuma das ideias iniciadas fica em aberto na obra e o sonho de Ae-sun de se tornar poetisa é um exemplo disso. Se há uma lição que essa obra nos ensina, é que apesar de qualquer acontecimento, a vida continua, e para seguir, é preciso se reinventar.