“Se Trump soubesse que Prevost seria eleito, provavelmente não teria feito tanta pressão”, diz especialista

Professor de Relações Internacionais Igor Alves comenta cenário geopolítico, após a morte do Papa Francisco e a eleição do Cardeal Prevost
por
Khadijah Calil
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09/06/2025 - 12h
Fonte: Reprodução/ Metrópoles
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Dias antes do resultado do Conclave, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, publicou em suas redes sociais uma imagem gerada por inteligência artificial em que ele aparecia vestido com uma batina papal branca, coroado com a mitra e usando a cruz de ouro. Desde seu primeiro mandato (2017-2021), Trump manteve uma relação marcada por divergências públicas com o Papa Francisco, tanto em temas políticos quanto eclesiásticos. O último pontífice chegou a receber o vice-presidente dos EUA, JD Vance, após fazer duras críticas à política de deportações de migrantes do governo Trump, alertando sobre uma "grave crise" que "começa mal e terminará mal".  

A foto e os comentários do presidente alimentaram a discussão sobre o peso que os Estados Unidos e outras nações poderiam ter na escolha do novo pontífice. Porém, como explica Igor Alves, Doutor em História da Cultura e Professor de Relações Internacionais na FAAP, apesar das tentativas de pressionar os cardeais do Colégio Cardinalício, o Conclave possui uma blindagem que impede que essas influências políticas interfiram no futuro da Igreja. “O resultado mostra, inclusive, que o Papa Leão XIV é antagônico em praticamente tudo ao que fala Donald Trump. Se Trump soubesse que o Cardeal Prevost seria eleito, provavelmente não teria feito tanta pressão para a eleição de um papa estadunidense”, completa Igor.  

Sobre outras influências, apesar de não ser ativamente ofensivo e invasivo ao processo religioso, o professor destaca que há na Itália um clamor popular pela escolha de um Papa de origem italiana devido ao fato de o Vaticano estar no centro da capital romana.  

Do ponto de vista eclesiológico, o professor de Teologia da PUC-SP, Reuberson Rodrigues, destaca que o consenso entre os cardeais há de ser que o conflito não se torne maior que a necessidade de unidade, como expressou Papa Leão XIV: “Em Cristo somos um’. Reuberson ainda define o Conclave como uma espécie de parlamentarismo da Igreja, um momento no qual os principais representantes elegem o representante máximo. “Na minha visão, ainda é um processo predominantemente espiritual, mesmo que se expresse por meios humanos, e a humanidade leve em consideração os aspectos geopolíticos. Os bispos optaram por um Papa da América do Norte que trabalhou no Peru, mas, se fosse outra pessoa com o perfil dele e de outro lugar, também poderia ser Papa”, comenta o teólogo.  

 O Arcebispo de São Paulo, Odilio Scherer, em entrevista concedida ao programa “Canal Livre”, da TV Bandeirantes, também comentou sobre o viés da escolha do Conclave: ‘os cardeais não se orientam pelos critérios da opinião pública”, afirmou.  

Habemus papam  

O novo Papa, Leão XIV, deve manter a presença da Igreja Católica nos debates políticos da agenda internacional de diversos países. Igor Alves aponta que ele será capaz inclusive de servir de balanceador da política norte-americana e se fará presente com seus discursos diplomáticos. “Isto é fundamental em um tempo em que a Europa volta a se armar, Rússia e Ucrânia continuam em guerra, Israel e o Hamas seguem em conflito, e Índia e Paquistão voltam a se desentender”, reitera o historiador.  

Como desafios no papado, Reuberson Rodrigues traz propostas do próprio Leão XIV:  revolução tecnológica e a ecologia integral, que seguem como pautas neste pontificado. O teólogo ainda menciona que o meio acadêmico pode contribuir oferecendo suporte, como já fazia o Papa Francisco, que consultava pesquisadores para a elaboração de sua encíclica: “O meio científico pode oferecer uma reflexão esclarecida, arejada e sem parcialidades sobre a situação do mundo, as guerras, os problemas internos da Igreja que precisam de reflexão e mediação sociológica”, conclui o professor.  

Prevost foi líder da ordem dos agostinianos e tem uma atuação que ultrapassa as fronteiras, sendo uma figura que não se alinha nem com os progressistas mais radicais, nem com os tradicionalistas católicos. Embora não compartilhe o mesmo carisma e popularidade de Francisco, o novo papa escolheu o nome de Leão XIV em homenagem a Leão XIII, pontífice que escreveu a encíclica Rerum Novarum, marcando o início da doutrina social da Igreja.  

Logo após o anúncio de sua eleição, começaram a circular nas redes sociais antigas publicações de Prevost, com críticas a Trump e a Vance, principalmente sobre o conceito católico de Ordo Amoris, que o vice-presidente usava para justificar as deportações, hierarquizando o amor ao próximo.  

O conclave é para os católicos uma manifestação da ação de Deus na história e a fé na igreja é fundamental para entender essa eleição. Para Cristiane Padilha, de 49 anos, o processo todo é valioso: “todo católico espera ansiosamente pela escolha de seu pastor, cuja responsabilidade, como líder espiritual, é instruir e orientar os cristãos na prática do evangelho, independentemente das condições específicas de cada país.” A oficial de registro afirma que, em momentos como esse, sua fé cristã se fortalece e cresce. “O Papa pode cometer equívocos como ser humano, mas quando fala em nome da Igreja, representa o próprio Cristo”, completa Cristiane.