Se proibirem o funk neste mundo, vá para a Submundo 

Submundo 808 é a festa de funk que vem ganhando espaço no Brasil e no Mundo, apesar das recorrentes tentativas de criminalização do gênero musical
por
Wanessa Celina
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09/06/2025 - 12h

Já na sua quarta edição em São Paulo, o Submundo 808 abriu espaço nas redes sociais, na capital paulista e no exterior. Fundada pelo coletivo 808 Produções, a festa iniciou em Campinas, interior de São Paulo, com o intuito de valorizar o funk periférico paulista. Com os palcos de 360°, o evento movimentou mais de 10 mil pessoas só em São Paulo. 

A Submundo 808 é uma das vertentes da 808 Produções, que faz outras festas como a Bounce 808, focada em rap, trap e hip-hop; a Essence 808, festa black com afrobeat e dancehall e, por fim, a Submundo, que traz o funk eletrônico. “A 808 começou na Bouce 808 com o DJ Clei, com o Pet, Petterson Willian, e com o Jorge – três homens pretos moradores da CDHU São Martine em Campinas, que faziam festas na casa dos avôs deles”, conta Beatriz Niro, que está no projeto desde o início e hoje trabalha como porta-voz da empresa e cuida das redes sociais para os eventos. 

Os três organizadores, quando viram a possibilidade de crescer, saíram da casa dos avós, alugaram um espaço e começaram a cobrar ingresso. A partir daí, chegaram as outras vertentes, como a Essence e a Submundo e surgiu a necessidade de formalizar o grupo de criadores que conta com os DJs Kenan, Kell e Tresk,  Vinicius Mariano e André Tresk.  

Mais do que uma necessidade organizacional, o projeto,  majoritariamente negro, também responde a uma necessidade histórica, já que nasceu no último município brasileiro a abolir a escravidão. “A gente vê muito a elite consumindo o que é nosso e fazendo o que é nosso. Antes da 808 Produções, os eventos de rap, hip-hop eram feitos por pessoas brancas. Pessoas brancas que vieram de um espaço elitizado. Por que não criar um selo feito por pessoas pretas para fazer eventos, que é sobre a nossa cultura, que é a cultura preta, que é o hip-hop, rap, funk, black?” explica Beatriz, falando sobre a motivação do grupo. 

O fortalecimento do funk e da cultura preta e periférica é um dos princípios do Submundo. Em todos os palcos existem bandeiras com os slogans ‘música preta’ ou ‘música periférica’. “A gente gosta muito das bandeiras, porque querendo ou não, é o que traz a nossa identidade. É a cultura periférica”, defende Beatriz. “A gente vê as bandeiras dos nossos times estampadas na nossa casa, bandeiras políticas, bandeiras dos artistas que gostamos, bandeiras dos times de várzea. A importância das bandeiras é que a pessoa que está lá, seja ela branca, preta ou parda, veja de onde veio o funk e o que é.” 

“A Submundo bombou primeiro no TikTok”, conta a porta-voz, “Eu ficava lançando os vídeos lá e ficava fazendo corte dos DJs tocando, fazendo as famosas viradas – momento da de uma música para outra – o pessoal foi curtindo e o que mais chamou a atenção era que o DJ estava no meio do público.”. O palco 360° iniciou por causa das primeiras festas que os DJs tocaram, antes de irem para o Brasuca Campinas. Foi no GOMA, em Barão Geraldo que eles tiveram a primeira experiência de tocar no meio do público. “Um dos organizadores queria que continuasse assim, como no GOMA não era um palco, o DJ ficava na altura do público. Quando fomos para o Brazuca, que era um palco, um dos organizadores observou que o DJ ficaria muito longe e decidimos colocar o DJ no meio, igual no GOMA. E acabou que essa ideia deu certo.” 

 

Palco com o DJ Blackes no Submundo 808 em Campinas// Reprodução do instagram. Créditos: Gabriel Cavassam,  @blackcalle_
Palco com o DJ Blackes no Submundo 808 em Campinas// Reprodução do instagram. Créditos: Gabriel Cavassam,  @blackcalle_  

 

 

A Submundo na era da criminalização do funk: da rua para os bailes privados 

 

Por ser uma festa focada em funk, a Submundo traz à tona a questão da criminalização desse gênero musical, que voltou a ser debatida neste ano após o projeto da Lei Anti-Oruam, proposto pela vereadora Amanda Vettorazzo (União Brasil). Beatriz Niro aponta que esse tipo de perseguição é um dos motivos da 808 correr para lugares privados em Campinas: “o funk é criminalizado porque não existem oportunidades, nem patrocinadores, por exemplo. A prefeitura [de Campinas], o prefeito e demais governantes, em sua maioria brancos e de uma classe social alta, não tem uma ação para descriminalizar o funk e dar espaço digno para as nossas festas.”.  

Para o antropólogo e artista, Meno Del Picchia, autor da tese “A Neblina e o Fluxo - O Funk nos Corpos Elétricos da Quebrada”, a criminalização do funk é, na verdade, a criminalização da vida jovem periférica: “o Brasil é um país extremamente desigual, racista, homofóbico, machista, conservador, com todas essas forças conservadoras e antiprogressistas”, denuncia Meno. "Elas [o Estado, a mídia e a classe média] vão confrontar tudo o que é um pouco mais transgressor. E isso, ao mesmo tempo em que perpetuam uma estrutura social que produz essas desigualdades, mas quando as mesmas são ditas em forma de música, eles se incomodam.”, complementa.  

Os bailes de funk, geralmente conhecidos em São Paulo como “fluxos”, acontecem as ruas das comunidades. Com caixas de som potentes instaladas nos carros parados ao lado de vendedores de bebidas, a festa vai até altas horas. Os eventos nas comunidades são os principais alvos de operações policiais. Os agentes costumam chegar com brutalidade nesses ambientes. A violência constante e a insegurança provocada pelos agentes do Estado levaram ao surgimento dos bailes privados. “Os bailes fechados e de rua vão, inevitavelmente, estar sempre lidando com todas essas vozes repressivas.”, explica Meno del Picchia, “Mas alguns deles são tão fortes e tão gigantes que eles vão se mantendo ao longo do tempo.”.  

Em 2019, a polícia provocou um massacre em uma das festas mais famosas das comunidades da cidade, o Baile da D17, em Paraisópolis, na zona sul de São Paulo. A ação, batizada de “Mega operação Pancadão”, matou nove jovens. “O que torna o baile na rua menos seguro, na verdade, é quando tem a repressão policial.” explica Meno. “Eu acho que esse elemento da possibilidade do confronto com a polícia é o que torna o baile da rua um pouco mais imprevisível.” A volta da discussão sobre os bailes de rua e sobre tentar censurar artistas de funk que alegadamente fazem apologia ao crime e às drogas é, como diz o pesquisador, a “criminalização da poesia e a criminalização da festa”. 

O pesquisador relatou sua experiência na festa Nitro Point em 2018, em Mauá, que reunia uma multidão de pessoas, em diversos lugares com preço de entrada acessível. Após pesquisar os bailes de rua em São Paulo e ter participado de alguns bailes fechados, Meno confirma que a existência das festas fechadas não tira o lugar dos bailes de rua: “o fato do Nitro Point existir não fazia com que os bailes de rua deixassem de existir. Falar que bailes fechados vão fragilizar a cultura funk é uma afirmação que eu acho perigosa. A Nitro Point, por exemplo, é uma festa fechada, que só fortaleceu a cena.” 

Submundo para o mundo 

Hoje, a Submundo já tem edições previstas em Brasília e até em Portugal. A bilheteria saiu de 1000 ingressos nos primeiros eventos há dois anos, para mais de 12 mil por evento. O alcance, porém, é ignorado pelas mídias tradicionais, como aponta Beatriz: “A gente não tem grandes jornais vindo conversar com a gente, porque hoje o Submundo, só em São Paulo, movimenta 11 mil pessoas. Um evento muito novo que está girando muito dinheiro, muita visibilidade nas redes sociais.”

A festa conta com lista trans que, na última edição em São Paulo, fechou com mais de 100 nomes. Em breve, pessoas indígenas e beneficiários do programa Bolsa Família também terão acesso à gratuidade.

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