Rivalidade com Pelé tirou jogador do Santos

No fim dos anos 1950, Agnaldo Secco jogou pelo Peixe, após driblar o futuro "Rei", e por isso ganhou sua inimizade
por
Daniel Seiti Kushioyada
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30/11/2020 - 12h

            “A rixa já existia desde as categorias de base, quando eu jogava pelo Jabaquara e o Pelé pelo Santos”, conta meu vizinho, Agnaldo Secco (83). Além de atuar pelo Leão da Caneleira e pelo Alvinegro Praiano, durante sua breve e vitoriosa carreira nos anos 50 e 60, também vestiu a camisa do Náutico e do Bahia.         

Foto Aguinaldo Secco
Aguinaldo Secco. Foto:acervo pessoal

            Nascido na cidade de Santos, em 22 de setembro de 1937, Secco iniciou sua carreira nas categorias de base do Jabaquara Atlético Clube. Ainda como juvenil, em 1955, conquistou o título de Campeão Santista, derrotando a equipe do Santos Futebol Clube, de Pelé. Quatro anos depois, em 1959, foi contratado para jogar profissionalmente pelo time da Vila Belmiro.

            “Nessa final de campeonato juvenil eu parti pra cima dele e joguei a bola por baixo de suas pernas. Em seguida, repeti o drible e ele sumiu dentro de campo. Ele pegou corda e, quando eu fui jogar pelo Santos, não nos demos bem”, comenta Aguinaldo, enquanto me apresenta suas faixas de campeão.          

            Hoje, seus olhos brilham ao narrar e relembrar, de forma detalhada, os lances que ocorreram em sua partida de estreia pelo Peixe, em que substituiu Pelé que estava contundido – e marcou dois dos 12 gols santistas no jogo. O placar de 12 a 1 contra a Ponte Preta é a maior goleada da história do clube.      

            “Em certo momento do jogo, em que estava oito ou nove à zero pra gente, eu, que já tinha dado assistências, mas ainda não tinha marcado gol, recebi a bola na ponta esquerda, passei para o Coutinho e ele parou a bola na linha, debaixo do travessão, me chamando pra fazer aquele gol. Empurrei a redonda pro fundo da rede e a torcida veio à loucura. No final, acabei marcando dois gols e dei as assistências para os gols de Coutinho e Pepe”, descreve o ex-camisa 8, com um sorriso no rosto.

 

Jornal Atribuna
Texto de José Carlos Gomes publicado no Jornal A Tribuna em 11/04/2004

               

            A boa atuação diante da Macaca rendeu ao jogador um aumento de popularidade entre os torcedores e com o técnico Luís Alonso Perez, conhecido como Lula. No confronto com o São Paulo, Aguinaldo, novamente, balançou as redes duas vezes, dessa vez atuando ao lado do "Rei", que também fez dois gols, contribuindo para uma vitória de 4 a 3 sobre o rival.

            Apesar dos bons resultados apresentados em campo, nos vestiários, sua rivalidade com o Camisa 10 aumentava e a luta por espaço no time se tornava cada vez mais intensa.

             “Assim como o Pelé, eu jogava na frente como ponta de lança – jogador que atua entre o meio campo e o ataque – então, frequentemente, competíamos pela mesma posição. O clima de competitividade no time não era bom. O Pelé era um craque fabuloso, mas era um cara sem vergonha e a gente não se dava bem”, relata.

            “Eu não queria jogar com ele e ele não queria jogar comigo”, completa.

            Enquanto estávamos sentados em sua cozinha, observando as diversas fotos e recortes de jornais, espalhados sobre a mesa, o ex-jogador conta como os acontecimentos nos bastidores do elenco, na final do Campeonato Paulista de 1959, fizeram da partida o ápice dessa disputa efervescente entre rivais.

            Aguinaldo estava escalado para jogar a final, contra o time do Palmeiras, no Estádio do Pacaembu. Na saída de Santos, quando se dirigiam para a capital paulista, o atacante Pepe se aproximou e lhe alertou: “Pô, Aguinaldo, o Pelé tá querendo te tirar do time. Ele tá lá fazendo intriga pra você não jogar.”

 “Eu não posso fazer nada, quem tem a moral de escolha é o treinador. Eu não vou dar palpite”, respondeu ao Canhão da Vila.

            Já em São Paulo, no vestiário do Pacaembu, o técnico passou pelo meia-atacante e, sem olhar nos olhos do jogador, ordenou:

            “- Você não vai jogar!”

            “- Quem manda é o senhor...”, disse Aguinaldo.

Jornal da época
Jornal da época critica a venda de Aguinaldo

               

             Ironicamente, o Santos perdeu o confronto decisivo e o Verdão foi o Campeão Paulista daquela edição. Frequente eram os desentendimentos entre ambos jogadores e tamanha era a influência de Pelé sobre as decisões do comando da equipe santista, que Secco, insatisfeito, decidiu não atuar mais pelo Alvinegro e deixou o clube. 

             “Quem não gostaria de jogar uma final? Além disso, eu sabia que poderia colaborar para ganhar aquele jogo e o cara me tirou para escalar um outro jogador fora de posição. Não tinha cabimento”, relata o ex-jogador.

             Após sair do Santos, Aguinaldo nunca mais se reencontrou com o Pelé, dentro e fora das quatro linhas. Ali, se encerrava a rivalidade que começou no início de suas carreiras, marcada por dribles, gols e política, e que cresceu cada vez mais na medida em que os atletas trabalharam juntos.

            Transferiu-se para o Náutico, de Recife, onde disputou e conquistou o título de Campeão Pernambucano de 1960, quebrando um jejum de quase seis anos da equipe recifense de conquistas. Naquele ano, também foi considerado o melhor jogador do campeonato estadual.

             

Foto Aguinaldo Secco na equipe do Náutico
Da esq. para dir. Vasconcelos, Aguinaldo e Afonsinho, campeões pelo Náutico, em 60. Foto:acervo pessoal

 

            Na temporada seguinte, defendeu o Bahia Esporte Clube e conquistou o bicampeonato Baiano em 1961 e 1962. Ainda no mesmo ano do segundo título, casou-se e, apesar de receber uma oferta tentadora de renovação de contrato envolvendo altos valores salariais, “para fazer o casamento dar certo”, Agnaldo Secco priorizou sua relação conjugal e pendurou as chuteiras ainda aos 25 anos de idade. 

            Seu Aguinaldo e dona Nilde, como são conhecidos pelos vizinhos, comemoram 58 anos de casados no fim de 2020. Atualmente, formam uma grande família com os cinco filhos, os 12 netos e o nascimento de seu primeiro bisneto.

Foto Aguinaldo Secco
Aguinaldo Secco, aos 83 anos de idade. Foto:Daniel Seiti

 

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