Por Isadora Taveira e Laura Melo
Considerada por muitos a rainha do rock brasileiro, Rita Lee recentemente compartilhou com o Brasil sua batalha contra o Jair, tumor decorrente de seu câncer no pulmão. A mulher que mais vendeu discos no Brasil, mais de 55 milhões de cópias, além de mais de 22 prêmios, incluindo um Grammy Latino, que celebra artistas que fizeram contribuições significativas à indústria fonográfica, sempre se mostrou à frente do seu tempo e exemplo de inovação, resistência e revolução.
A mina de Sampa
Nascida na Vila Madalena em 1947, em São Paulo, Rita Lee Jones dedicou sua vida e sua paixão à música, revolucionando os paradigmas da época e criando seu espaço em um ambiente extremamente masculino. Sua performance na arte foi inspiração para reflexões como feminismo, política e contemporaneidade, além de permanecer sendo motivação para diversos compositores da atualidade.
A artista é a mais jovem das duas irmãs, Virginia Lee e Mary Lee, e desde muito nova se interessava por instrumentos musicais, apesar de não entendê-los apenas como hobbie. Atriz, veterinária e até mesmo dentista - seguindo os passos de seu pai - as diversas hipóteses de Lee inundavam sua mente, mas ela mal imaginava que havia nascido para se tornar uma estrela.
Durante a adolescência os rumos de sua trajetória passaram a se voltar para a arte, e nessa época formou a sua primeira banda, “Teenage Singers". Dividindo o sonho com duas amigas da escola, elas participavam de concertos e festivais pequenos no colégio, e logo depois passou a fazer parte do grupo “Six Sided Rockers”, que contava com Arnaldo Baptista e seu irmão, Sérgio Dias.
De “O conjunto de O’seis” até “Os bruxos”, o grupo iniciou sua trajetória incerta, em meio a discos que não fizeram sucesso comercial e muito menos chamaram a atenção do público. Até chegar em “Os Mutantes” e conquistar o espaço de grande renome na música popular brasileira, o conjunto enfrentou desafios e tempos de dúvidas. Em meio aos ventos do tropicalismo que sopravam nos anos de 1967 e 1968, a banda valorizava a cultura do país e foi pioneira no hibridismo cultural, além de marcar diversos momentos do audiovisual brasileiro ao lado de grandes artistas.
Sozinha de vez
Rita inicia a carreira solo com Build Up (1970), após desentendimentos com seus parceiros e a necessidade de brilhar sozinha. “Segundo relato da própria Rita, ela foi expulsa da banda. De acordo com a biografia sobre os Mutantes, escrita por Carlos Calado, ela foi comunicada que estava fora da banda por Arnaldo Baptista, os outros Mutantes ainda tentaram apoiar Rita, mas ela teria ficado muito magoada e preferiu seguir em frente, fora da banda.” - afirmou Mayrton Bahia, produtor musical em entrevista para o site Aventuras na história.
Esse momento foi crucial para sua carreira, quando recomeçou em grande estilo ao som de “Fruto Proibido”, seu quarto álbum de estúdio à frente da banda Tutti-Frutti. Rita alavancou como um dos maiores sucessos do MPB e figura pop brasileira, concretizando a sua arte através do disco Rita Lee, em 1980, que trouxe seus hits de maior sucesso e vendeu mais de 130 mil cópias no país.
Um amor sólido em meio à tempos líquidos
Um amor unido à música. Rita Lee e Roberto de Carvalho, juntos, criaram faixas icônicas cheias de poesia e sentimento. Em sua autobiografia, a artista conta que o grande cupido de seu relacionamento foi Ney Matogrosso, em que Roberto fazia parte de sua banda. Se conheceram no ano de 1976 e desde então não se separaram; foram dez álbuns gravados em conjunto e a oficialização do casamento vinte anos depois.
Em declaração recente, Roberto de Carvalho afirmou que “Foi um verdadeiro tsunami, as músicas estavam em toda parte, as pessoas cantavam, as rádios tocavam sem parar, o disco vendia a rodo e, o mais importante: tocou profundamente os corações de tantas pessoas numa época tão difícil de repressão ostensiva, de pouca liberdade.” Os hits como "Lança Perfume", "Desculpe o Auê" e "Banho de Espuma" foram só o começo, depois vieram os verdadeiros filhos e frutos desse amor: Beto, João e Antônio Lee.
Feminista ou fashionista
Apesar de não se considerar um ícone feminista, ou até uma feminista, é inegável a influência de Rita no cenário feminino. Durante a entrevista, a ovelha negra, ressalta: “Nunca carreguei bandeira de feminismo. Eu era a única menina roqueira no meio de um clube só de bolinhas, cujo mantra era: para fazer rock tem que ter culhão. Eu fui lá com meu útero e meus ovários – e me senti uma igual, gostassem eles ou não”.
Como reforça Daniel Fernandes, administrador do fã clube Baú Rita Lee, as canções dela tiveram um papel extremamente importante para a pauta feminista, ela foi uma das primeiras pessoas a falar sobre o prazer feminino e sobre sexo, assuntos que eram considerados tabu na época. E além disso, ela estava em um terreno sagrado dos homens, que era o rock e se tornou uma grande figura do gênero.
Além de encorajar mulheres, Rita também servia como influência fashion para muitas outras. Do cabelo vermelho às fantasias nos palcos, a rainha do rock sempre se mostrou à frente do seu tempo. De muitos figurinos icônicos, alguns como o vestido de noiva usado no Festival Internacional da Canção, a bota prateada roubada de uma loja em Londres e a roupa de presidiária que ironizava sua prisão em 1976 marcaram a carreira da cantora e passaram a fazer parte do acervo de uma exposição em sua homenagem realizada pelo MIS, Museu de imagem e som, em 2021.
Do lança perfume à erva venenosa
Se tinha algo que ninguém do rock nos anos 1970 passava imune era da experiência com as drogas e com a roqueira não foi nem um pouco diferente. Em seu primeiro livro, Rita Lee: uma autobiografia, e durante entrevista com Pedro Bial, Rita conta sobre sua trajetória nas drogas e sobre seu tão falado colar feito com centenas de miçangas recheadas de LSD, trazido de Nova Iorque para financiar seu recomeço na carreira musical após sua saída de Mutantes.
Ao ser questionada sobre as drogas e a maternidade durante entrevista para o GNT, a artista diz que não concorda com a proibição, mas que sempre deixou explícito sobre os riscos e consequências do uso de entorpecentes. Segundo ela seus filhos já viram suas viagens de LSD, o que serviu como exemplo e fim da curiosidade, os fazendo seguir pela caretice. Rita, que não é Madalena arrependida como ela mesma fala, afirma não concordar mais com o uso de drogas hoje em dia, “Sei que hoje os LSDs são pura anfetamina e nem sequer dão a ilusão da paz e do amor dos 1960. É com certeza uma droga careta, porque não se encaixa nos tempos de hoje, aliás, nenhuma droga nunca se encaixou em nenhum tempo. Ao contrário, você só perde tempo”.
Durante a ditadura, em 1976, grávida de três meses de seu primeiro filho, foi presa por porte de 300 gramas de maconha, que ela afirma ter sido implantadas na sua casa para incriminá-la. O que não seria difícil, visto que a roqueira foi uma das artistas mais censuradas durante o regime militar. Como ressalta o fã Daniel Fernandes, foi um período difícil, principalmente levando em conta a gravidez e a barbaridade policial da época. Um período sombrio, com um quase aborto espontâneo, que rendeu o começo de uma grande uma aliança feminina no rock com Elis Regina, outro grande nome brasileiro, que salvou a ovelha negra das grades.
Construção de uma carreira atemporal
Hoje em dia, aos 75 anos, Rita encerrou sua carreira nos palcos e nos álbuns e têm se dedicado em gravar sua história em suas autobiografias, a primeira contando com detalhes sua vida musical e a segunda, que será lançada em maio, contando sobre sua luta contra o câncer de pulmão, diagnosticado em 2021, e seu tumor, apelidado de Jair.
A artista é inspiração e referência para inúmeros compositores e cantores da geração atual, o que marca e comprova sua história e sua construção como um símbolo para a memória brasileira. Nos palcos, homenageando a rainha do rock, a cantora Manu Gavassi apresenta o acústico de Fruto Proibido e dá sequência a herança cultural que Rita trouxe para o país, revolucionando o rock e a maneira de produzir música.
Ao longo de sua carreira, a artista vem deixando um legado memorável e uma legião de fãs e admiradores. “O legado de uma menina que continua presente na mulher, que não se intimidou com todos os desafios, barreiras, prazeres e armadilhas do glamour e do sucesso da vida artística", finaliza Mayrton Bahia.