Rigoberta Menchú e a incessante luta pela paz

Sua batalha continua e incentiva outras minorias a enfrentarem opressões
por
Júlia Zuin
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07/03/2024 - 12h

Genocídio é uma palavra forte. Não à toa o chanceler de Israel declarou o presidente Lula como “persona non grata” ao seu Estado após a figura brasileira “dar nome aos bois” quando disse a respeito do exterminio que hoje ocorre na faixa de Gaza. Essa afirmação de fato incomoda, já que ser reconhecido desta forma não é das melhores. 

De acordo com o Museu do Holocasto Estadunidense, a expressão “genocídio” não existia antes de 1944; ela foi feita para denominar crimes que frisam eliminar a existência física de grupos. Quem desenvolveu o conceito foi Raphael Lemkin, advogado judeu, que juntou a palavra grega “geno”, que significa “raça”, com a expressão latina “cídio”, cuja tradução é “matar”.

É interessante que na raiz deste substantivo há a presença de uma derivação do latim, uma língua antiga que influenciou tantas românicas na América Latina - isso porque é uma região que sofreu ao extremo com colonizações que resultaram em extermínio de povos originários. 

A Guatemala, na América Central, é um destes exemplos. Colonizada pelos espanhóis desde 1519, o país foi exposto a banhos de sangue e doenças europeias, estas, antes desconhecidas pelos povos ameríndios. Mesmo após sua independência, em 1821, o país segue colhendo frutos de um passado tenebroso.

Em situações de opressão não é incomum a existência de figuras de resistência; neste caso, Rigoberta Menchú é uma delas. Nascida em 9 de janeiro de 1959, a mulher é uma ativista fiel aos direitos humanos, principalmente dos povos indígenas. Descendente do grupo maia quiché, Rigoberta, em sua infância, viveu durante um período político turbulento, uma guerra civil que durou em média 40 anos.

 

Foto de autoria de Joshua Nv
Foto de autoria de Joshua Nv

 

Menchú foi vítima do conflito de diversas maneiras; uma delas, e talvez a mais brutal, tenha sido o assasinato de seus pais e irmãos, que foram perseguidos acusados de envolvimento com a resistência armada contra o regime vigente. 

Aos vinte anos, Rigoberta se filiou ao Comité de Unidad Campesina, CUC, uma organização nascida em 1978 que rejeitava a militarização, a discriminação dos povos indígenas e tinha como objetivo melhores salários agrícolas - ela era formada principalmente por camponeses e trabalhadores da terra.

No início dos anos 80, Rigoberta se juntou à Frente Popular, um ato que chamou a atenção dos governadores da época, estes, que eram subordinados ao general e ex-ditador Efraín Ríos Montt. Em 2013, Efraín foi julgado pelo assassinato de 17.771 indígenas ixiles e maias, e foi condenado a 80 anos de prisão; entretanto, 10 dias depois, o veredito foi suspenso pela Corte de Constitucionalidade. 

A militante se exilou no México e, lá, não se silenciou; muito pelo contrário, Menchú divulgou a situação em que a Guatemala se encontrava e influenciou outros indivíduos em situações precarizadas a lutar pelos seus direitos. 

Durante sua estadia no país vizinho, a escritora venezuelana Elisabeth Burgos-Debray reconheceu sua história e a contou em um livro cujo título é: “Me llamo Rigoberta Menchú y así me nació la conciencia”, ou seja, “Me chamo Rigoberta Menchú e assim me nasceu a consciência”.

Rigoberta tentou voltar ao seu território natal pela primeira vez em 1988, mas não foi bem recebida no país; ela teve sua vida ameaçada e foi detida. Entretanto, após o episódio, conseguiu, aos poucos, retornar à Guatemala. 

Em 1992, 500 anos após a chegada dos espanhóis às Américas, Rigoberta Menchú foi ganhadora do Prêmio Nobel da Paz “pela sua luta por justiça social e reconciliação étnico-cultural baseada no respeito aos direitos dos povos indígenas” (FUNDAÇÃO NOBEL, 1992). Já houveram 621 premiações de Nobel. Apenas 65 mulheres o venceram - e Menchú foi uma delas. 

 

Foto de autoria de Daniel Hernández-Salazar
Foto de autoria de Daniel Hernández-Salazar

 

Após o recebimento do prêmio, foi aberta a “Fundación Rigoberta Menchú Tum”, uma organização que tem como função propagar a cultura da paz. De acordo com o site, “É guiado por princípios, valores humanos e cosmogônicos e pela diversidade étnica, cultural e política dos povos do mundo. Trabalhamos pela justiça, pela democracia, pelo pleno respeito pela Mãe Terra e pelos direitos humanos, especialmente dos povos indígenas.”.

Em 1996 foi assinado um acordo de paz entre o governo e os guerrilheiros, o que pôs fim à maior guerra civil da América Latina. O envolvimento político e social de Menchú continuou mesmo depois do fim do embate. 

Hoje em dia, Rigoberta Menchú é promotora da Década Internacional dos Povos Indígenas, um plano da UNESCO que incentiva a visibilidade para culturas indígenas; além disso, a mulher não parou de propagar seus ideais e luta, sempre com mais força, a favor de boas causas.