Respiradores substituem produção de automóveis

Na recessão causada pela pandemia, reconversão industrial é alternativa para montadoras continuarem atividades
por
Liliane de Lima
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16/06/2020 - 12h

A falta de equipamentos médico-hospitalares para o enfrentamento da pandemia alterou a dinâmica da indústria em todo o planeta. No Brasil, não foi diferente. Indústrias tiveram que mudar a produção habitual – automóveis, roupas, cosméticos etc. – para ajudar no combate ao coronavírus. A fabricação de respiradores, máscaras, álcool em gel tornou-se primordial. 

A indústria automobilística tem sido uma das protagonistas no processo de reconversão produtiva, também chamado de reconversão industrial. Segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), os produtos médicos começaram a ser produzidos pelas montadoras desde a chegada do vírus no país. 

O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioecônomicos (Dieese), no relatório “Reconversão industrial em tempos de Covid-19: o papel dos governos para salvar vidas”, publicado em 13 de maio, destacou a importância da flexibilização produtiva.

De acordo com o Dieese, a reconversão industrial precisa ser rápida para o combate à Covid-19, a partir da adaptação das unidades produtivas de forma emergencial “para a produção de bens ou equipamentos de primeira necessidade temporariamente escassos”. 

Para isso, os ministérios da Economia e da Saúde, em parceria com empresas privadas, desenvolveram o projeto “Mais Manutenção de Respiradores”. A iniciativa foi o ponto de partida para a manutenção de 3,7 milhões de respiradores que estavam paralisados. Destes, 1.100 já foram consertados e reinseridos nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) dos estados mais atingidos, segundo o portal G1

Em São Paulo, Scania, Toyota, Honda e General Motors começaram a consertar respiradores e ventiladores pulmonares danificados ou sem uso. A Peugeot, no Rio de Janeiro, está utilizando impressoras 3D para produzir protetores faciais.

A Ford, no polo de Camaçari (BA), tem produzido máscaras de proteção individual. Já a Mercedes-Benz, em conjunto com o Instituto Mauá de Tecnologia e a Universidade de São Paulo, tem atuado no desenvolvimento de um protótipo de respirador de baixo custo a partir de insumos automotivos. A montadora Volkswagen, em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), também tem feito o reparo de equipamentos respiratórios. 

Conserto de placas de respiradores - Foto: G1/Divulgação
Conserto de placas de respiradores - Foto: G1/Divulgação

 

A iniciativa para atender à demanda emergencial por equipamentos médicos está voltada para resultados a curto prazo, de acordo com Roberto Marx, professor do Departamento de Engenharia da Produção da Poli-USP. “Para uma montadora, isso não vai fazer muito sentido a longo prazo”, afirma. 

Para ele, “é possível que a produção local de produtos do setor médico, na prevenção de doenças, especialmente da Covid-19, vire uma parte mais importante do que é hoje na produção industrial brasileira, mas não necessariamente pelas montadoras”. 

A emergência da produção é pontual, segundo Roberto. “O momento é de ajudar no tratamento e combate à pandemia, e, nesse sentido, a indústria automobilística pode ter alguma contribuição, mas não é uma contribuição decisiva.”

Uma nova cadeia produtiva precisaria ser criada para que a manutenção de respiradores continue fazendo parte dos negócios das montadoras no pós-pandemia, diz o especialista. Esta atividade, em sua visão, só será possível se houver a criação de “uma outra operação industrial separada da fabricação de automóveis”. 

Exemplos internacionais

As medidas para a adoção da reconversão industrial no Brasil seguem exemplos internacionais. Reino Unido, Japão, Alemanha, França e Estados Unidos são alguns dos países que adotaram a estratégia para o enfrentamento da Covid-19, na tentativa de suprir a demanda por respiradores, ventiladores pulmonares e EPIs.

O presidente dos EUA, Donald Trump, usou a Lei de Proteção de Defesa, criada em 1950, para determinar a produção de respiradores pela General Motors (GM), por exemplo. No Reino Unido, o primeiro-ministro, Boris Johnson. pediu a paralisação da produção de carros pelas montadoras, dentre elas a Jaguar Land Rover. 

Para o professor Roberto Marx, o país onde está a matriz destas montadoras é essencial para que ocorra a mudança produtiva. “No caso dos Estados Unidos ou da França, onde tem montadoras americanas e francesas (respectivamente), o governo tem mais disponibilidade para atuar”, pontua. 

Consequências pós-Covid

A reconversão produtiva tem sido uma saída para a continuidade das atividades da indústria, que vem diminuído gradativamente sua participação na economia brasileira. “Isso é um cenário que já vem acontecendo há muitos anos, em diferentes governos  e, agora com a pandemia, pode se aprofundar fortemente”, afirma Roberto. 

Respiradores em teste de funcionamento - Foto: Automotive Business/Divulgação)
Respiradores em teste de funcionamento - Foto: Automotive Business/Divulgação)

A tentativa de suprir a demanda atual de produtos para hospitais pode alterar a dinâmica da produção a médio e longo prazos, segundo o relatório do Dieese. A reindustrialização e a diminuição da “dependência de equipamentos e insumos importados, garantindo maior equilíbrio na balança comercial do setor”, são as possíveis consequências da pandemia para a indústria nacional. 

Roberto também observa a possibilidade de aumento da demanda por produtos nacionalizados em alguns setores industriais, com a desvalorização do real em relação à moeda americana. “Toda  vez que o dólar sobe muito, tem mais incentivo para  a produção local e é um espaço que pode ser ocupado pela indústria que sobreviver no Brasil, no pós-Covid”, afirma. 

Para que isto ocorra, Roberto acrescenta que “não adianta uma empresa ou um setor demandar de produtos produzidos no Brasil, que antes eram importados, se não tem uma cadeia de produção adequada e um produto interessante, que seja viável do ponto de vista de custo e de satisfação do cliente”. 

O Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), na Carta número 995, destaca a necessidade de políticas públicas para evitar os riscos de superprodução ou desperdício futuro. “Os governos podem fornecer previsibilidade aos pedidos e garantias de que itens eventualmente produzidos em excesso farão parte dos estoques nacionais”, afirma a entidade.