Por Letícia Alcântara
O sonho de Isleida Moura de ser mãe já tem mais de 15 anos, sem sucesso, devido a problemas de fertilidade. Tal aspiração não é exclusiva de Isleide, o desejo de tornar-se mãe é expressivo no coração de milhares de outras mulheres; não é exagero afirmar que a maioria delas já nascem mães, pois até mesmo quando elas não podem gerar filhos, isso não as impedem de adotarem e assim, exercerem este instinto natural. A grande pergunta feita por muitos é: Porque essas mulheres não adotam já que existem orfanatos repletos de crianças à espera de um lar? A resposta talvez esteja na expressão do direito de exercer sua maternidade, e quando possível de modo a sua escolha, e a ciência, estando disposta para possibilitar a concretude desta decisão.
O sonho de ser mãe, portanto, é algo presente na vida de muitas delas, mas algumas anseiam em vivenciar a experiência nas entranhas, na carne, gerar a vida dentro de si, sentir as mudanças físicas, hormonais e, principalmente emocionais durante o processo dentro do seu ventre. Acima de tudo, é mais do que realizar um sonho, é experienciar por meses o milagre da reprodução. Durante esse processo a mulher passa por uma metamorfose e para a maioria é uma vivência inigualável, sendo para elas os sacrifícios, físicos, psicológicos ou as dores passadas, sentidas, em prol de colocar seu bebê no mundo, heroicamente suportadas, pois ao vislumbrar-se tornando-se mãe ela se dispõe a enfrentar este momento com bravura e nada, absolutamente nada, deve ser mais importante ou maior em sua vida. É um desejo que a acompanhará por todo o sempre; sentir uma vida dentro de outra vida, dois corações batendo no mesmo corpo. Este é o ideal romântico da fertilização, que para alguns é só ciência e mercantilização, entretanto para estas pessoas a expectativa e por fim sua realização, é o milagre da vida falando mais alto.
O desejo especial de se tornar mãe, figura a vida de muitas mulheres ao redor do mundo, gerar outra vida, através do próprio ventre, trás consigo um ideal mágico, divino, espetacular; Porém pouco se fala daquelas mulheres, que se deparam com dificuldades ao longo deste processo, ainda que dados da OMS apontem que 50 a 80 milhões de pessoas em todo o mundo podem ser inférteis. No caso específico do Brasil, este número chega a 8 milhões, estando relacionado cerca de 35% dos casos de infertilidade,
Número que coloca a infertilidade como o bicho papão para todas que querem engravidar ou seja, as mulheres que colocam a maternidade como projeto de futuro. Mais que curar e tratar doenças, os avanços da ciência carregam a possibilidade da realização de sonhos, sendo um destes mecanismos a reprodução assistida. Entende-se por reprodução assistida todo e qualquer processo reprodutivo, que tenha alguma espécie de intervenção científica, viabilizando desta forma a gravidez. Tais intervenções podem ser divididas em procedimentos de baixa e alta complexidade, sendo o primeiro quando não há manipulação dos óvulos e espermatozoides em laboratório, já no caso do segundo, ocorre esse manuseio o que explica a terminologia “In vitro”, de forma simplificada, como esclarece a pesquisadora e especialista em reprodução humana, Michelli Montãno, que hoje reside na Espanha, um dos destinos mais procurados na Europa e no mundo, para as técnicas de reprodução.
Tudo depende de quão invasiva é esta intervenção. Dentro destas duas subdivisões, existem diversos métodos que podem ser adotados, a depender da necessidade de cada paciente. Ainda em relação ao método, a especialista pontua que o mesmo deveria ser decidido de forma individual, com cada paciente porém isso na prática ,não ocorre, os ginecologista em sua maioria, não costumam pedir exames para investigar como está a reserva ovariana da mulher, e quando pedem , são em pacientes já com idade avançada, o que para Michelli é um erro, pois isso deveria ser pedido inclusive para mulheres jovens, para alertá-las, a fim das mesmas ponderarem as opções, incluindo o congelamento de óvulos.
Quando nos referimos ao método é importante salientar, que não é correto usar as expressões taxa de sucesso e de falha, uma vez que cada organismo é um, e mesmo obtendo sucesso na tentativa, em algumas situações, a gravidez não irá adiante, pelo contrário em diversos casos uma primeira experiência não é o suficiente. Muitos fatores levam mulheres, a recorrerem a estes tratamentos, como problemas genéticos, e até mesmo o avanço da idade. Estudar, trabalhar, casar, alcançar estabilidade emocional e financeira, é um processo longo, e quem segue essa ordem, não necessariamente a risca, mas que escolhe deixar por último a concepção dos filhos, acaba se deparando com alguns desafios, especialmente em se tratando de mulheres, que não só tiveram uma inserção tardia no mercado de trabalho, pós constituição de 1934, como também seguem enfrentando diversos estigmas e preconceitos sociais referentes a conciliação de vida profissional e maternidade.
Como esclarecem os especialistas, a idade reprodutiva das mulheres, atinge seu pico entre os 25 e os 29 anos, após 29 anos até os 35, as chances ainda são consideradas boas, depois dos 35 as dificuldades aumentam gradativamente ao passar dos anos, sendo depois dos 40 frequentemente necessário o suporte médico, e os riscos de complicações gestacionais, considerados altos. A entrevistada Francielle Delabio, relata que ao chegar próximo aos 40, vinda de tentativas naturais infrutíferas, não queria mais esperar, então aos 38 anos começou o processo, Francielle que recorreu ao congelamento dos óvulos, para fertilização em um momento propício, seguindo orientação médica, com testes de ovulação e administração de medicamentos, obteve êxito na primeira tentativa, e hoje tem uma filha de 5 meses de vida.
Na caminhada, para a tão sonhada gravidez, as mulheres lidam com constantes adversidades, encarar a expectativa, ansiedade e frustrações. Amanda Bueno, que realizou duas FIVs (Fertilização In Vitro) relata seu sofrimento, afirmando que a parte mais complexa de lidar é o psicológico, e que vivenciou uma montanha russa de emoções incluindo, medo, frustração e luto. Ela sinaliza a importância de toda mulher que passa por este tratamento ter um acompanhamento psicológico, principalmente porque ele influencia muito no resultado final. Amanda, ainda não conseguiu engravidar, porém afirma que após se recuperar psicologicamente, pretende continuar tentando.
Outro fator determinante são os elevados valores, as medicações são caras, juntando procedimentos e internação, tornam-se menos acessíveis ainda; os valores de uma inseminação giram em torno de 10 mil reais, e uma fertilização in vitro, não ficando abaixo de 20 mil. Os procedimentos, por enquanto, não estão no rol de cobertura de nenhum convênio, o que gera ainda mais desilusão para as contratantes. No Brasil já existem tratamentos realizados pelo SUS, para famílias de baixa renda, porém ainda que mais acessíveis, nem sempre são 100% gratuitos, requerendo custos altos para o padrão da maioria da população, além de uma burocracia significativamente demorada.
Isleide Moura atualmente conseguiu o tratamento pela UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), que detém um programa de assistência para pessoas de baixa renda, a mesma narra que a instituição cobra um valor de 3 mil e 900 reais pela internação e os procedimentos cirúrgicos, além do custeio da medicação, que totaliza 5 mil reais, e também fica por sua conta.
Os dilemas que circundam a reprodução assistida são muitos, além de negligenciados pela população em geral e pelo governo, pouco se fala de um tema que é realidade constante para muitas mulheres, para muitas famílias. Aquelas que exprimem o desejo da maternidade biológica, gerar uma nova vida, não deveriam jamais ser privadas desta vontade, especialmente quando o fator determinante se restringe ao dinheiro, ou melhor a falta dele.
Que avanços médicos/científicos são imprescindíveis e essenciais não existem dúvidas, ou questionamentos, mas e quando estes avanços só chegam para alguns? E quando a ciência se torna reduzida a só mais um objeto de aparthaid social, quanto vale um sonho? E mais quanto vale uma nova vida, que a ciência pode e deve, ajudar a gerar, más que por assimetrias sociais presta este auxilio apenas para alguns.