São Paulo — Quando Rodrigo Schissatti se assumiu homossexual, ainda nos anos 1980, o Brasil enfrentava o auge da epidemia de AIDS. “Ser gay era visto como doença. Você era automaticamente associado ao vírus”, lembra o bancário da Caixa Econômica Federal, nascido e criado na cidade de São Paulo. O medo, diz ele, não era apenas de se contaminar, mas de existir. “As pessoas não sabiam como o HIV era transmitido. Tinham receio de te abraçar, de te encontrar. Isso a gente carrega até hoje.”
Na época, ser um homem gay era símbolo de promiscuidade, conta Schissatti, que se sentia confortável somente nas baladas LGBT, que começou a frequentar aos 16 anos. Nesses lugares de São Paulo, a idade não passava de um número e era possível criar redes de afeto: “Você acaba criando sua própria família paralela. É como um mecanismo de defesa.”
Hoje, aos 46 anos, ele vê diferenças. “É mais tranquilo se assumir agora. Tem mais referências externas.” Antes, era comum inferir que alguém era gay, mesmo dentro da comunidade. Ser discreto era a forma de sobreviver.”: “O gay heteronormativo ainda é mais aceito, enquanto o ‘afetado’ ainda é julgado, e foram justamente eles que romperam barreiras para todos nós.” Faltava também representatividade trans, ser gay era confundido com ser travesti: “A primeira pergunta que os pais faziam era: ‘vai virar mulher?’”.
Schissatti conta que há três fases para se assumir: é necessário se admitir para si próprio, para a sociedade e para a família: “O primeiro preconceito que você enfrenta é o seu próprio”. O bancário diz que demorou para se declarar no trabalho por medo de perder a carreira. Ele cita o movimento de atores que se manifestaram e foram descartados pela indústria, como Leonardo Vieira, enquanto outros, como Fábio Assumpção, nunca perderam seu posto mesmo depois de vazado e publicamente conhecido seu vício em drogas.
Ao ser perguntado sobre o etarismo dentro da comunidade, Schissatti cita a diferença geracional e a importância de manter as imagens estética e social. Para ele, as disparidades vêm sobretudo da criação: “nós somos criados no preconceito”. A geração anterior à dele, cita como exemplo, carrega consigo a misoginia de seus pais, o que se vê no ódio aos gays afeminados. Performar a homossexualidade, hoje, é questão de se permitir: “não se seguram mais”.
Parte do quadro de etarismo está ligada à forma como o corpo é percebido. “A imagem, para o gay, é muito importante. Sempre foi.” A diferença, segundo o bancário, é que o respeito advindo do cuidado com a saúde e com a formação acadêmica, isto é, se destacar profissionalmente era uma forma de ser aceito e não ser preterido.
Hoje, ele observa a juventude reproduzindo padrões estéticos igualmente excludentes. “Homoafetivos são mais fáceis de serem descartados. Está intrínseco na gente [o etarismo].”
Outro diferencial entre as idades é o posicionamento político. A geração que hoje está na terceira idade tem outras prioridades que não a evolução de questões de dentro da comunidade e votam em candidatos que não respeitam nem mesmo sua existência. “Para a nova geração, isso é um desrespeito e uma afronta”, disse Lorenzo Martone, 46, empresário e musicoterapeuta.
Essa autocrítica ecoa estudos recentes sobre o tema. Pesquisas do Goldsen Institute e da Universidade de Washington mostram que o etarismo dentro da comunidade LGBT está associado a níveis mais altos de depressão e sofrimento psicológico. “Os mais jovens cresceram em um ambiente com mais liberdade, mas herdaram a mesma lógica de valorização da juventude, do corpo perfeito e da performance”, afirma o relatório.
No Brasil, a invisibilidade das pessoas LGBT idosas ainda é pouco documentada. A Pesquisa Nacional de Saúde (IBGE, 2019) mostrou que 2,9 milhões de adultos se declaram homossexuais ou bissexuais, cerca de 1,8% da população adulta. Mas entre os maiores de 60 anos, esse número cai para 5,3% — um indício de que muitos preferem o silêncio. Um levantamento feito pela Universidade de Brasília em 2023 apontou que 65,7% das pessoas LGBT com mais de 50 anos evitam revelar sua orientação sexual a profissionais de saúde, por medo de discriminação.