Há algum tempo a ideia de uma assistente virtual existir era coisa de filme. Em Her (Ela), longa de 2014, o protagonista Theodore encontra uma nova maneira de se relacionar com o sistema operacional de seu computador, mas, acaba desenvolvendo sentimentos de amor profundos pela assistente virtual que está por trás de outras interações com muitos outros usuários. Uma realidade que não parece mais tão distante. A capacidade de se comunicar vem de muito tempo, nossos ancestrais sabiam que mesmo sem falar, poderiam interpretar gestos e sinais de seus semelhantes, como os animais. Assim como os humanos, a tecnologia se desenvolveu muito, principalmente a partir da chegada da Inteligência Artificial (IA). O que poderia ser estranho, hoje é indispensável para muita gente. Em 2022, o estudo Global Overview Report, publicado pelo Datareportal mostra que o número de usuários ativos no mundo já está próximo dos 5 bilhões de pessoas, o que representa 63% da população mundial.
Esse número é cada vez maior, principalmente pela facilidade que a tecnologia oferece no dia a dia de seus usuários. A Alexa é uma das assistentes virtuais mais vendidas hoje em dia. Da bigtech Amazon, ela conquistou a todos com sua habilidade de se conectar com outros aparelhos, como luzes, televisão e vários gadgets, além de poder responder perguntas instantâneas. Casas já são projetadas para receber todo esse aparato e se tornam as chamadas” casas inteligentes”. Mas mesmo com toda essa inteligência, o processo gerou muita consequência, para a mente e para o corpo dos usuários.
A ideia de ter uma assistente pode limitar as tarefas mais simples de quem utiliza essa tecnologia, como ler uma notícia por conta própria, ou simplesmente ligar a televisão. Essa acomodação, faz com que os usuários se tornem dependentes e percam noções de interpretação. Além da preguiça, essa nova maneira de se comunicar com a tecnologia limita os usuários a praticamente um monólogo. Na prática, conversar com uma máquina já está sendo considerado uma maneira de dialogar, mas o filósofo e ensaísta sul-coreano Byung-Chul Han tem uma perspectiva diferente sobre isso, como expõe em seu livro Infocracia, publicado no Brasil pela editora Vozes.
Para ele, a Inteligência Artificial não assume um papel racional, ela apenas calcula uma resposta que seria considerada correta pelo usuário. “A inteligência artificial não fundamenta, mas calcula. Em vez de argumentos, surgem algoritmos. Argumentos podem ser aprimorados no processo discursivo. Algoritmos, por sua vez, são otimizados continuamente no processo maquinal.”, explica Han. Realmente, não é difícil perceber a resposta pronta que as assistentes virtuais costumam dar quando são questionadas sobre certas coisas, que poderiam facilmente ser argumentadas por um humano, por exemplo. Elas funcionam a partir de uma base de dados, ou seja, toda pergunta ou resposta que são geradas por ela serão salvas para aprimoramento.
Mas, todo esse apoio que as assistentes dão aos seus usuários pode se tornar um processo vicioso, já que tudo o que é pedido a uma delas é facilmente atendido. A soberania tecnológica seria um grande impedimento para uma democracia plena, já que os humanos teriam cada vez menos a capacidade de pensar por si sós e principalmente de abrirem discussões importantes para seu exercício. “O discurso conduzido pelo entendimento humano desvanece perante tal visão divina do Big Data. O saber total digital torna o discurso supérfluo”, concluiu o filósofo.
As consequências do uso descontrolado dos assistentes virtuais a longo prazo já foram mostradas na animação de 2008 da Pixar, Wall-e, em que robôs são designados para limpar o planeta Terra, que foi destruído e está imerso em lixo e poluição. Os humanos que restaram no planeta, vivem dentro de uma nave e com a ajuda de assistentes virtuais estão sobrevivendo. Mas, eles são sedentários, só comem fast-food e foram consumidos pela preguiça e comodidade. Há quem diga que essa realidade pode ser o futuro da humanidade, principalmente com o desequilíbrio da natureza, o excesso do uso da tecnologia e sobretudo a preguiça de pensar. O uso constante das tecnologias assistentes diminui a capacidade dos indivíduos de lembrar coisas por si só, assim como a de se cuidar por si só. Um cérebro mais preguiçoso acompanhará um corpo mais preguiçoso, mas quem poderá prever como a sociedade vai se comportar quando isso for mais frequente.