A visita ao acampamento Comuna da Terra foi organizada por Diogo Romão e Gabriela Bonfim, ambos estudantes do 5° termo de história da UNIFESP, associados ao JURA (Jornada Universitária pela Reforma Agrária) que ocorre anualmente nas faculdades. Nos encontramos em um grupo de 8 pessoas na estação Domingos de Moraes para fazermos o resto do caminho em conjunto até o acampamento.
Da CPTM fomos de ônibus ao Terminal Britânia e, de lá, à Comuna da Terra em Perus, SP. Já no trajeto a paisagem muda e a distância relativamente pequena parece ser maior justamente por isso. Prédios são substituídos por morros e árvores e as habitações, embora em parte muito precárias, deixam de se organizar de acordo com uma lógica espacial presente no dia-a-dia do centro da capital.
Descendo do segundo ônibus, caminhamos um pouco e nos vimos rodeados por cachorros, ruas esburacadas (não diferentes da cidade onde começamos nosso trajeto) e mata. Nossa primeira parada foi a Companhia de Teatro Antropofágica, na qual deixamos nossas mochilas e brincamos com os cachorros - incluindo o Lobinho, o mais arretado deles.
De lá fomos andando para a área social, na qual nos apresentamos, conversamos e, após as apresentações, tomamos café. Junto a nós, estava um grupo de arquitetos e arquitetas que assistiram a um curso de construção com bambu para um projeto de construção de um armazém agroecológico no acampamento. Ao todo, estávamos em 30 pessoas.
Durante as apresentações, conhecemos a dona Maria Alves, liderança do acampamento. Disse que se tornou militante urbana antes de saber o que significava isso… que nasceu trabalhadora em uma família que veio de pau de arara para o sudeste e que a luta não é pouca coisa. Falando alto, assim como quando, mais tarde, nos contou seus causos, falou que esse movimento de trocas entre a faculdade e o acampamento ela já tinha feito antes e continuaria fazendo. Mais tarde, inclusive, nos contou de uma Mística que fez no bandejão da USP “pros burguesinhos lá e pê pê pê, pê pê pê demos o nosso recado. A gente é tão insistente que eles entenderam o recado”.
Tomamos café com pão, manteiga, mexerica, laranja, banana e bolacha antes de nossa caminhada pelo lugar. Fazia um frio e o dia estava nublado; nas palavras de Maria Alves, “um dia de lama, um dia de frio”. Foi nessa hora também que presenciamos uma mística, na qual foi feita uma leitura em conjunto de um poema de Brecht e, ao final, Zé “Vica” (morador de Cajamar, cidade vizinha) fez as palavras de ordem do MST enquanto empurrava um carro de mão com uma enxada, uma pá e a bandeira do movimento.
Vou tentar explicar o que é uma “Mística” já que eu mesmo não sabia e perguntei; nada melhor do que fazê-lo à luz da própria definição que me deram: “a mística para nós, no MST, não tem que ser decorada nem gravada, mas sentida. Você coloca seu sentimento, aquilo que a gente quer mostrar e que, às vezes, tá escondido. Mostra nossa realidade.”
Após a dita Mística, fomos ver a horta da Jô. “Essa é a horta da Jô, então?” perguntei; “Essa é a horta de Jô. O bichinho da agricultura picou ela”, responde Maria Alves. Confesso que fizemos a horta da semana. Jô nos disse que fornece alimento para as pessoas da região e de algumas cidades vizinhas… apontou para o morro perto da sua horta e disse “Esse é o meu privilégio, morar pertinho da mata”.
Ficamos ali ouvindo os causos de Maria Alves, de quando andou por 17 dias até Brasília: “acho mesmo que os mineiros têm medo de perder o trem, viu? O dia que eles puxaram a caminhada foi o dia mais difícil” e das ações que já fez nas universidades de São Paulo como a UNIFESP, USP e PUC. Ficaria ali por horas ouvindo, confesso também. Logo Maria chama por Jô, que estava colhendo alface na hora: “Jô!”, “Senhora!”, “Simbora embora, nêga!”. E fomos almoçar.
Após o almoço, um devido e próprio almoço, chegava a hora de irmos embora, de voltar para São Paulo. Nos despedimos de Maria, liderança do acampamento, de Jô e de Zé “Vica”. Engraçado é que logo estávamos em São Paulo de novo, e que a luta por terra está tão perto de onde moramos. Dá mesmo sentido à frase de Maria Alves quando diz que a luta tem que ser unida, que “a terra para nós não é mercadoria; terra é para se viver nela”.