O novo coronavírus adentrou a sociedade global de forma brusca e inesperada, o que fez com que o modo de vida, as percepções e os valores da população mudassem completamente. De acordo com a Oxfam, entidade da sociedade civil que atua em cerca de 90 países, a crise econômica desencadeada pela Covid-19 pode levar mais de 500 milhões de pessoas para a pobreza e provocar uma recessão global.Para os trabalhadores de baixa renda e principalmente para as pessoas em situação de rua, as consequências serão ainda mais severas.
No ritmo de vida, a quarentena imposta tem como único objetivo salvar vidas. Nos jornais, o repertório replica massivamente a importância de ficarmos abrigados em casa, em ambientes desinfetados e sempre lavarmos as mãos. Apesar de todas as precauções tomadas serem essenciais, é preciso ampliar o olhar de preocupação por parte do governo e da população para aqueles que, sem escolha, ficam na linha de frente da vulnerabilidade e risco: os moradores de rua; afinal, eles não têm para onde ir e muito menos como tomar as medidas preventivas necessárias para continuarem em segurança.
Social
Atualmente, cerca de um quarto da população brasileira vive abaixo da linha da pobreza, segundo o IBGE. O elevado número de pessoas sem acesso à informação e insumos básicos faz com que os desafios da pandemia sejam ainda maiores. Só em São Paulo, 24 mil pessoas se encontram em situação de rua, de acordo com o último censo da prefeitura. Para essa população, o isolamento social não é uma opção. Com a cidade vazia, as dificuldades se agravam mais ainda: sem pessoas circulando, os moradores de rua encontram menos chances de gerar renda, obter alimento e informações sobre o que está acontecendo com o mundo. Instituições, religiosas ou laicas, que normalmente realizam missões de distribuição de alimentos e suprimentos básicos, pararam suas atividades e diminuíram ainda mais as chances de sobrevivência dessas pessoas.
A Prefeitura de São Paulo tem criado centros de acolhida emergenciais, banheiros para higienização, pias públicas, entre outras medidas. Essas ações, contudo, não têm a eficácia necessária, pois a maioria dos centros de acolhida tem proibido a permanência de usuários até as 16h e não suportam todas as pessoas que precisam de ajuda. Para a Arcah (Associação de Resgate à Cidadania por Amor à Humanidade), instituição que luta pela reintegração social e sobrevivência da população em situação de rua, "devemos ter a consciência de que somos todos um, e, diante de uma pandemia, devemos ser ainda mais solidários com os que estão ao nosso redor, especialmente a população em situação de rua, que é ainda mais vulnerável”.
Para ajudar no enfrentamento da crise, a instituição criou uma campanha para arrecadar itens de higiene e produtos de limpeza para serem distribuídos nos centros de acolhida da cidade de São Paulo. Além da ajuda social, a instituição oferece à população em situação de rua uma capacitação profissional e socioemocional pelo Horta Social Urbana, projeto principal da organização no momento. O objetivo é formar os cidadãos vulneráveis em agricultura urbana, para que eles, de alguma forma, consigam se inserir no mercado de trabalho; afinal, a economia é outro ponto fundamental da pandemia que tem afetado a população de rua.
Impactos econômicos
Assim como o impacto social, a população de rua deve ser triplamente afetada pelas consequências econômicas da disseminação do coronavírus. Segundo relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI), a economia mundial registrará em 2020 o pior índice de desemprego desde a Grande Depressão, em 1929.
Esses dados significam um aumento considerável de pessoas perdendo suas fontes de sustento, ocasionando um maior fluxo de migração para as ruas. No novo relatório da Oxfam, a organização enfatiza: “Isso pode representar um retrocesso de uma década na luta contra a pobreza”. De acordo com o Valor Econômico, o desemprego em países emergentes pode atingir de 1,7 milhão a 7,4 milhões de pessoas extras, além do aumento de 14 milhões de trabalhadores em situação de miséria.
Para o economista Marcos Henrique do Espírito Santo, em um momento de pandemia como este, existe uma enorme necessidade de o poder público conter os impactos negativos. Para isso, o Estado deve gastar, inclusive se necessário imprimir moeda para financiar os gastos. “A renda das pessoas precisa ser garantida de alguma forma; se o mercado não está funcionando, o Estado precisa ampliar a dívida pública”, diz Espírito Santo.
O economista acrescentou que um dos principais problemas é o negacionismo do presidente da República, que se preocupa com os impactos econômicos a longo prazo para as grandes empresas e se esquece do trabalhador de classe baixa que não tem o que comer hoje. Espírito Santo acredita que o auxílio de R$ 600 para os trabalhadores, como medida provisória de minimização de impactos, seja correto, ainda que tenha sido proposto pela oposição no Congresso, e não pelo presidente da República, que a princípio sugeriu o valor de R$ 200. "Eu vejo essa medida como uma medida necessária, de curto prazo, mas insuficiente."
Enquanto isso, apesar de todos os problemas e necessidade de melhora no sistema, a população em situação de rua continua às margens, sem nenhum auxílio emergencial, assistência média, orientação psicológica, nada. Novamente, triplamente afetados. E, se o país continuar caminhando para esta direção, a situação, que hoje é problemática, ficará insustentável. As ruas passarão a abrigar mais pessoas do que as casas existentes no país, e a fome irá adentrar a vida dos brasileiros de forma nunca antes vista. Olhar para as minorias sociais ao mesmo tempo em que se preocupa em salvar grandes empresas pode ser visto como banal ou perda de tempo para muitas pessoas da classe alta e do poder público, mas, se nada for feito, o Brasil estará fadado a enfrentar uma distopia incapaz de ser solucionada.
Foto de capa: "Contraste", de Luiz Alexandre, sob licença CC By 2.0 (https://creativecommons.org/licenses/by/2.0/?ref=ccsearch&atype=rich).
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