Raio-X da Amazônia: mês de agosto tem maior números de queimadas

por
Isabella Mei de Lima Marossi e Giovanna Morais de Almeida
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21/11/2019 - 12h

Por Isabella Mei e Giovanna Morais de Almeida 

As queimadas começaram nas últimas semanas de agosto em pontos isolados no Centro-Oeste e Norte do país, ganhando repercussão mundial no dia 19 de setembro, quando a fuligem das queimadas trazidas pelo vento escureceu o céu de São Paulo. 

O estado de Rondônia foi um dos mais atingidos pelas queimadas e o primeiro a decretar estado de emergência pelos inúmeros pontos de incêndio, que segundo o Corpo de Bombeiros tiveram aumento de 370% referente à mesma época no ano passado. A alta concentração de fumaça fez com que a cidade de Porto Velho fosse encoberta pela densa fumaça dos incêndios que acontecem na região e que podem ser observados do espaço, como apontam imagens dos satélites de monitoramento da NASA.  

Queimadas na Amazônia - Foto aérea mostra fumaça em trecho de 2 km de extensão de floresta, a 65 km de Porto Velho, em Rondônia — Foto: Carl de Souza/AFP
Queimadas na Amazônia - Foto aérea mostra fumaça em trecho de 2 km de extensão de floresta, a 65 km de Porto Velho, em Rondônia — Foto: Carl de Souza/AFP

O mês de agosto registrou o maior número de queimadas desde 2010, 19% acima da média estipulada durante os últimos 21 anos. Recentemente foi divulgado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) que até o dia 23, segunda-feira, foram registrados 21.761 focos de queimada na Amazônia.

Em seis de agosto de 2019, o presidente Jair Bolsonaro se autodeclarava o “capitão motosserra”, em relação ao aumento agressivo do desmatamento da Amazônia, divulgados pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisa Espacial). Os números que vêm sendo levantados desde junho não param de subir, causando cada vez mais degradações à pauta do meio ambiente.

Foi a partir das falas agressivas e despreocupadas de Bolsonaro que o “Dia do Fogo” trouxe mais problemas para a questão ambiental, que já não ia nada bem. Em 10 e 11 de agosto, um grupo de fazendeiros e empresários da região de Novo Progresso, no Pará, apontados como os organizadores do crime pela operação “Pacto de Fogo” da Polícia Civil e pela reportagem do Repórter Brasil, atearam fogo em grande parte da área florestal, pelo percurso da BR-163. A partir desse dia, a Amazônia que já estava queimando, teve o número de queimadas substancialmente aumentado por focos de incêndio em reservas florestais das cidades paraenses de Novo Progresso, Altamira e São Félix do Xingu.

No mesmo dia foram registrados 124 pontos de incêndio em Novo Progresso, com aumento de 300% ao dia anterior. Já em Altamira, registram-se 154 focos de incêndios ativos entre 6 e 8 de agosto, e entre 9 e 11 de agosto foram marcados 431 pontos, aumentando 179% em três dias. São Félix do Xingu apresentou aumentos mais significativos ainda: entre 6 e 8 de agosto, o município registrou 67 pontos de incêndios, já nos três dias seguintes, foram 288 focos – aumentando 329%.

As queimadas são consideradas comuns em territórios florestais, pois são tidas como “liberadores” de espaço para criação de pastagem de gado. 17 dias após o incidente do “Dia do Fogo” em 27 de agosto, o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), afirmou em reunião com Jair Bolsonaro, que eram apenas queimadas " de floresta para fazer pasto. O sujeito vai lá, desmata, queima, faz um pasto e aluga a área para um produtor rural”. E a Amazônia continuava queimando. 

Segundo Danicley Aguiar, da campanha Amazônia do Greenpeace “os que desmatam e destroem a Amazônia se sentem encorajados pelo discurso e pelas ações do governo Bolsonaro que, desde que tomou posse, tem praticado um verdadeiro desmonte da política ambiental do país”. A política bolsonarista em relação ao meio ambiente tem sido bastante omissa, tendo em vista que o orçamento federal para o Ministério do Meio Ambiente caiu 10%, saindo de 625 milhões para 561, e quanto à verba repassada para o setor de controle de incêndios caiu 34%, saindo de 45,5 milhões para 29,6. Bolsonaro, desde a campanha presidencial, prometia cortar investimentos aos fundos de proteção ao meio ambiente, além de flexibilizar as leis ambientais, favorecendo grupos de exploração.

O Ministério Público se encarregou de investigar os incêndios, e o uso da Forças Armadas na região desmatada foi autorizado pelo Presidente Jair Bolsonaro, em 24 de agosto, o auge da crise incendiária. Em 20 de setembro o uso dessas forças foi prorrogado até 24 de outubro.

Em setembro, o Ministério da Defesa divulgou atualizações sobre os casos apurados, entre eles, que R$36 milhões foram aplicados em multas por irregularidades. As penalidades foram aplicadas por órgãos como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Durante os 30 primeiros dias da ação das Forças Armadas na Amazônia, algumas medidas foram tomadas, em uma operação para tentar restabelecer o equilíbrio no local. Cerca de 20 mil metros cúbicos, que equivalem a oito piscinas olímpicas, de madeira foram apreendidos, quatro madeireiras ilegais foram interditadas, 15 caminhões, cinco tratores, seis embarcações e uma escavadeira foram apreendidas. 63 pessoas foram presas, responsabilizadas pelos crimes ambientais.

  

Dados divulgados pelo INPE revelam aumento no desmatamento na Amazônia

Desde junho de 2019, o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisa Espacial), vem divulgando dados que denunciam o aumento sintomático do desmatamento na Amazônia, em comparação aos anos anteriores. Em junho, verificou-se um aumento de 88%, comparado ao mesmo período em 2018. Em julho o número sobre o desmatamento da região amazônica subiu para 278%, segundo dados do Deter (Detecção de Desmatamento em Tempo Real), que sinaliza as áreas de devastação da floresta para órgãos de fiscalização ambiental, como o Ibama.

Com base nas imagens de satélites disponibilizadas pelo INPE, em agosto os números de queimadas chegaram a 196%, com 30.901 focos de incêndios ativos, em comparação aos 10.421 focos no mesmo período em 2018, com bases em imagens de satélites. Considerando todo o território nacional, o crescimento das queimadas foi de 128% no mês de agosto, com 51.936 focos de incêndio, se comparados com os 22.774 focos do ano anterior.

Os dados divulgados não agradaram o presidente da república. Jair Bolsonaro respondeu aos números apresentados afirmando que eram dados falsos e sensacionalistas. 

A repercussão das informações geradas pelo instituto culminou na exoneração de Ricardo Galvão, diretor do INPE. A decisão foi tomada após uma reunião em Brasília entre Galvão e o ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações Marcos Pontes, em 2 de agosto. O diretor se mostrou indignado com a demissão e em entrevista ao G1 afirmou que sua fala gerou constrangimentos ao presidente, sendo esse o motivo de sua exoneração.

Os ataques de Jair Bolsonaro começaram em 19 de julho, quando o presidente afirmou que Galvão estaria “a serviço de alguma ONG”. O então diretor reagiu com grande indignação, dizendo que as declarações do presidente foram indevidas e taxando-as de “conversa de botequim”. “Ele fez acusações indevidas a pessoas do mais alto nível da ciência brasileira, não estou dizendo só eu, mas muitas outras pessoas”, disse Galvão. A partir da última declaração, o presidente da República passou a cobrar que Galvão se demitisse, alegando que esses posicionamentos “dificultam” negociações comerciais com países estrangeiros.  

O presidente exonerado não cedeu aos ataques de Bolsonaro, e acabou sendo de fato demitido, sob a premissa da “perda de confiança”.  “Se quebrar a confiança, vai ser demitido sumariamente. Perdeu a confiança, no meu entender, isso é uma pena capital”, afirmou Bolsonaro em 1º de agosto, antecipando a decisão de exoneração.

 

 

Discurso de Bolsonaro na ONU acentua divergências políticas

Jair Bolsonaro em sua estréia na Assembleia-Geral da ONU (DREW ANGERER/GETTY IMAGES)
Jair Bolsonaro em sua estréia na Assembleia-Geral da ONU (DREW ANGERER/GETTY IMAGES)

Em 24 de setembro, o presidente Jair Bolsonaro subiu ao púlpito da Assembleia Geral da ONU, em Nova York, para afirmar, por meio de seu discurso agressivo, que a soberania brasileira deve ser respeitada, em questões relacionadas à Amazônia.

Bolsonaro fez sua estreia na ONU com um discurso agressivo de cerca de 30 minutos, iniciado afirmando que o Brasil estava à beira do socialismo nos governos anteriores. Em uma sucessão de ataques – aos governos da Venezuela e Cuba, e a Emmanuel Macron –, o presidente voltou a reiterar que o país sofreu ataques aos valores familiares e religiosos, além de uma situação de “corrupção generalizada, grave recessão econômica e altas taxas de criminalidade”.

O primeiro chefe de Estado a se apresentar na Assembleia Geral da ONU, em que os governantes brasileiros são os primeiros a falar desde 1955, Bolsonaro enfim entrou na pauta mais esperada de seus comentários: a Amazônia, anunciando “Senhorita Ysany Kalapalo, agora vamos falar da Amazônia”, referindo-se à indígena que embarcou para Nova York, junto com os representantes, para corroborar o discurso de Bolsonaro. Em mais uma tentativa de se mostrar atento às questões ambientais, o presidente afirmou com ênfase que seu governo está muito comprometido com a preservação do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável no Brasil.

Em meio ao discurso, o chefe do executivo ainda disse que a região amazônica permanece “praticamente intocada”, e que isso prova que o Brasil é um dos países que mais protegem o meio ambiente. Ao comparar o tamanho da região com a Europa Ocidental, justificou que o clima seco favorece as queimadas espontâneas e criminosas, ressaltando também que uma parcela do problema foi causado por indígenas, que tem como parte de sua cultura e sobrevivência “causar” incêndios.

Jair Bolsonaro voltou a atacar a mídia nacional e internacional chamando-as de sensacionalistas, e declarou que esses ataques “despertaram o sentimento patriótico brasileiro”. Utilizando os argumentos da Amazônia como pulmão do mundo e como patrimônio mundial como falácias, voltou a atacar indiretamente o presidente da França, Emmanuel Macron: “um ou outro país, em vez de ajudar, embarcou nas mentiras da mídia e se portou de forma desrespeitosa, com espírito colonialista”, afirmando que a soberania nacional foi questionada.

Ainda durante seus 30 minutos de fala, o presidente reiterou que respeita e reconhece os territórios indígenas – inclusive, utilizou um colar de tradição indígena em seu “look do dia”, no jantar da noite que antecedeu a assembleia. Porém, reiterou que há muitas terras reservadas para poucos indígenas, só que dessa vez, com palavras mais polidas, em tom duro, como lhe é convencional.

Por fim, vale ressaltar que o presidente brasileiro foi deixado de fora da cúpula do clima, que ocorreu na segunda-feira, 23 de setembro, por ser considerado cínico em relação à questão ambiental. O discurso no evento apenas corrobora que está mais preocupado em salvar a própria imagem de suas posições destrutivas, do que de fato salvar o território em chamas, que tanto clama como pertencente à soberania nacional.

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