Quilombos resistem aos constantes ataques em seus territórios

“Ficamos à mercê de nós mesmos, sem cuidado nenhum dos nossos governantes”, afirma Vanessa França, moradora do Quilombo de São Pedro
por
Laura Monteiro e Raphael Dafferner Teixeira
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06/10/2020 - 12h

Localizado no município de Eldorado (SP), o Quilombo de São Pedro ficou sem atendimento médico durante a pandemia do coronavírus: “Ficamos à mercê de nós mesmos, sem cuidado nenhum dos nossos governantes”, conta a agricultora Vanessa França, que mora no quilombo desde os 6 anos de idade.

Foto: acervo pessoal
Foto: Acervo Pessoal

Estudante de Pedagogia na Universidade Virtual do Estado de São Paulo (UNIVESP), França explica que o atendimento às comunidades era realizado de quinze em quinze dias, porém, após o início da pandemia, o auxílio foi interrompido. Em razão do descaso do Estado para com as comunidades quilombolas, ela defende as práticas desempenhadas pelos habitantes dos quilombos, os quais, a fim de controlar o contágio do vírus, tiveram de se organizar sozinhos, criando barreiras sanitárias e deixando entrar apenas o essencial.

Entretanto, apesar do pouco-caso, França relata o sucesso nas medidas de isolamento de seu território, que não contou com nenhum caso de COVID-19. Porém, a agricultora ressaltou o fato de a população ter corrido um grande risco: “Se um pegasse, a comunidade inteira pegaria”.

As comunidades quilombolas do Estado de São Paulo não contam com nenhuma morte. Porém, de acordo com os dados do Observatório da Covid-19 nos Quilombos do Brasil, parceria realizada pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) com o instituto Socioambiental, até o dia 28 de setembro, são 4598 casos de coronavírus, 166 óbitos e 1219 quadros em monitoramento. Nos quilombos brasileiros, isso representa uma taxa de mortalidade de 3,6%, 0,7% maior que a taxa do país inteiro (2,9%).

Givânia Silva (52), uma das fundadoras da CONAQ e ativista na luta quilombola, revela que a resistência dos quilombos antecede a pandemia: “Eles têm resistido à invasão da mineração, às queimadas, aos grandes empreendimentos e aos avanços da monocultura”.

Nascida no quilombo Conceição das Crioulas, no interior de Pernambuco, Silva é professora no município de Salgueiro e doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal de Brasília (UnB), além de mestre em Gestão de Política Públicas. Considerada uma grande figura de liderança pelos povos quilombolas, durante o Governo Lula, ela assumiu a Secretaria de Políticas para Comunidades Tradicionais (Subcom) e a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR).

 

Tatiana Reis/Huffpost Brasil
Tatiana Reis/Huffpost Brasil

“Desde o golpe de 2016, se iniciou o extermínio de alguns órgãos e o esvaziamento de outros, fazendo com que as políticas de regulação fundiária se enfraquecessem. Tais artimanhas começaram no Governo Temer e se aprofundaram no Governo Bolsonaro”, declara Silva.

Ainda sobre as demarcações de terras, Vanessa França diz que as principais ações afirmativas são voltadas para essa luta, e explica: “Os quilombolas, sem seu território, não são nada. É do território que nós sobrevivemos”.

Na concepção da estudante de pedagogia, a falta de iniciativa no processo de demarcação das terras traz insegurança aos moradores, os quais, por medo dos grandes fazendeiros, acabam abandonando seus territórios: “Os ruralistas têm interesse em nossas terras, e são eles quem demarcam elas agora”, informou.

Para além da construção de ações afirmativas, França dá ênfase na questão da necessidade de os espaços políticos também serem ocupados pelos quilombolas: “Só nós sabemos o que é importante para nós. Esse lugar também é nosso”.

 “A gente caminhava em um avanço e reclamávamos por ele ser lento; agora nem isso temos, porque o governo atual não investe e nem apresenta nenhuma perspectiva de mudança”, manifesta a ativista. Por isso, os habitantes viram-se obrigados a criar formas de mobilização social: “Temos construído meios de comunicação alternativos por meio das redes sociais, além de pressionarmos os parlamentares e o Congresso Nacional”.

Tatiana Reis/Huffpost Brasil
Tatiana Reis/Huffpost Brasil

 

A pauta acerca da garantia dos direitos dos povos tradicionais há de ser colocada em discussão na esfera pública: “São vários caminhos para as ações afirmativas, elas não se resumem à cotas. É preciso um debate mais amplo, a começar pelas construções políticas, articulações com o Parlamento e até a justiça.” Em seguida, a representante quilombola alega o dever dos órgãos governamentais em assegurar as comunidades frente ao contexto pandêmico: “Estamos denunciando o governo brasileiro por abandono e descaso nesse momento tão difícil”.

Face ao desprezo com os povos quilombola, a residente do Quilombo de São Pedro aproveitou para fazer críticas ao Governo Bolsonaro: “Nós não vemos esse Governo com bons olhos. A cada dia um direito nosso é tirado”, desabafou.

 

Foto: acervo pessoal
Foto: Acervo Pessoal

        A doutoranda conta que o governo do presidente é preocupado com os interesses de sua família e “dos grandes que o bancam”. E continua: “O que mais a gente tem visto nas comunidades quilombolas é a violação dos direitos desses sujeitos, praticado especificamente pelo Estado. Trata-se de um Governo que se afirma e é racista. Ele prega a morte e não a vida, além de ter muito mais compromisso com a escravidão do que com a liberdade”, concluiu sobre o racismo estrutural da sociedade brasileira.

 

 

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