No dia 24 de julho, em São Paulo, um grupo desembarcou de um caminhão, espalhou pneus em torno do monumento do bandeirante Borba Gato e ateou fogo. O ato de protesto dividiu opiniões em todo o Brasil, e para a professora e doutoranda em História Social, Cristina Noseda, isso já era uma tragédia anunciada: “Em São Paulo, a escolha de homenagens aos ‘heróis nacionais’ já vinham sendo questionadas desde 1922. Hoje, essas memórias já não fazem sentido, pois não representam mais o discurso histórico atual”.
A polícia chegou a prender três ativistas, Paulo Roberto da Silva Lima - “Galo” -, Thiago Vieira Zem e Danilo Silva de Oliveira, acusados de atear fogo no monumento, mas a prisão preventiva foi anulada no dia 10 de agosto. O ato simboliza a demanda social de retirar uma série de estátuas que homenageiam antigas figuras coloniais espalhadas por todo o país.
Mas afinal, quem foi Borba Gato?
Manuel Borba Gato (1649 - 1718) foi um bandeirante paulista que contribuiu para o genocídio e extinção de povos indígenas. Sua maior expedição foi em 1674, quando saiu em busca de pedras preciosas. Durante esse tempo, escravizou, matou e violentou os indígenas da região, além de ser o responsável pelo assassinato de Rodrigo Castelo Branco, administrador-geral das minas, em 1682. Segundo Noseda, Borga Gato permaneceu nas matas até encontrar ouro em Sabará, MG, e logo em seguida recebeu o perdão pelos seus crimes: “É esse heroísmo que nós queremos?”, questiona ela.
O incêndio simboliza um ato de disputa e transformação da memória de um país, que se mantém amnésico diante das questões que comete e sofre, não apenas em relação ao seu passado colonial, mas também de seu passado recente. Segundo a estudante de Letras da USP, ativista e pertencente ao povo Pataxó Hã Hã Hãe, Yamani’dju Minrin, as homenagens a antigos colonizadores é algo comum em todo o país: “A sede do governo de São Paulo é o ‘Palácio dos Bandeirantes’ e o Estado brasileiro constituiu-se através de uma guerra contra os povos originários. Agentes diretos do genocídio e etnocídio são exaltados como heróis, em vez de serem lembrados como personas e símbolos históricos da morte e destruição”.
Mas não é somente no Brasil onde estátuas como essa têm sido contestadas pela população, uma vez que já ocorreram movimentos similares na América Latina. No dia 28 de julho de 2021, manifestantes derrubaram a estátua de Cristóvão Colombo em Barranquilla, Colômbia. Durante o ato, foi levantada a bandeira Wiphala, que simboliza os povos andinos, acompanhada de gritos como “Colombo assassino”.
Outro caso semelhante ocorreu em Santiago, Chile, no dia 31 de dezembro de 2019, quando grupos tentaram derrubar a estátua do general militar Manuel Baquedano - retirada oficialmente em março de 2021 para ser restaurada. Nos protestos de 2019 ocorridos no país, a Wiphala e a bandeira Mapuche foram símbolos da luta e das demandas sociais. Segundo Minrin, a representação dos povos indígenas e de outros grupos significa a indignação daqueles que sabem que ainda existe muita reparação histórica a ser feita: “Na minha opinião não deveria haver homenagens aos ‘heróis’ da maldade (os genocidas e estupradores), mas às heroínas e heróis originários, quilombolas, anciões e anciãs. Precisamos exaltar especialmente a nossa mãe terra - que nos dá o ar que respiramos, os rios com nascentes de água pura, o solo fértil que nos dá alimento - reflorestando solos, mentes e corações”.