Queimar estátua é levantar debate público

Ato de 24 de julho demonstra, segundo historiada, necessidade de revisão de homenagens aos Bandeirantes e acentuam a discussão acerca deste grupo
por
Lucca Andreoli, Maria Eduarda Frazato, Fabrício de Biasi, Victoria Mercês
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23/08/2021 - 12h

Em 24 de julho, a estátua de Borba Gato, bandeirante responsável pelo extermínio de negros escravizados e indígenas, foi cercada de pneus em chamas. Os ativistas Galo, Thiago e Biu reconheceram-se como participantes do protesto, o que Brenda Marques, historiadora e militante do grupo Afronte!, reconhece como uma “intervenção pública para levantar o debate”, sobre a revisão dos patrimônios históricos e culturais do nosso país. 

Embora os fatos históricos atestem a desumanização por partes do grupo dos Bandeirantes em seu processo de exploração territorial, muitas homenagens, como o famoso “Monumento às Bandeiras”, de Victor Brecheret e inaugurado em 1953 na cidade de São Paulo, retratam os bandeirantes como verdadeiros heróis corajosos e desbravadores, tornando positivas, através de homenagens, as ações cruéis decorrentes deste extermínio ocorrido no século 17.

Segundo Marques, “a história verdadeira não é contada porque vivemos no país da democracia racial”, ironiza a historiadora, indo contra a crença disseminada de que todos acreditam na ascensão pessoal, quando na verdade não há perspectiva e meio para tal.  Em consonância a isso, o professor de história Miguel Baptista de Campos Filho explica que essa necessidade por heróis nacionais perpetuou-se devido à influência positivista na década de 1950: "Esses ‘heróis’ eram retirados fundamentalmente dos segmentos dominantes da sociedade e constantemente tinham ligações com a cultura europeia."

A apreciação das figuras dos bandeirantes revela um problema voltado à educação sobre a colonização do Brasil, já que na maioria das escolas, públicas ou privadas, os Bandeirantes chegam a ser glorificados, escondendo o extermínio de tantos povos, utilizando a desculpa do desbravamento do interior do Brasil. Marques também diz que “explicar Borba Gato da maneira correta é explicar que o nosso país é desigual”.

 No que diz respeito ao ensino sobre os Bandeirantes, ela afirma que por uma questão de disputas de narrativas, as informações passadas nas escolas costumam ser invertidas, de modo que figuras como Borba Gato sejam exaltadas e personalidades como Zumbi dos Palmares sejam marginalizadas.

Uma das repercussões contrárias ao ato do dia 24 se deu na pichação da arte no famoso Escadão Marielle Franco, que se encontra em Pinheiros. Na madrugada do dia 30 de julho, vândalos escreveram “Viva Borba Gato”, e ainda escreveram “666” logo abaixo do rosto da vereadora. Marielle Franco foi uma socióloga e cientista política filiada ao PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), ela defendia o feminismo, os direitos humanos, e criticava a intervenção por parte da polícia militar. No dia 14 de março de 2018, Marielle e seu motorista, Anderson Gomes, foram assassinados.

Baptista completa que trabalha na rede pública há mais de vinte anos e defende que a verdade histórica seja promovida e divulgada não só no caso dos bandeirantes paulistas, mas também em outros casos como o dos indígenas, negros e trabalhadores, que tantas vezes são segregados e excluídos pela sua luta.

  









 





 

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