Quebra de patentes terá saldo positivo, diz analista

Para Rafael Bianchini, professor da FGV/SP, recuperação econômica compensará perdas iniciais do setor farmacêutico
por
Dimitrius Vlahos
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28/05/2021 - 12h

A quebra das patentes, nome popular dado à chamada licença compulsória, voltou a ser debatida com a escassez de vacinas e medicamentos para tratamento da Covid-19. No dia 29 de abril, o Senado aprovou a autorização para que as licenças desses produtos sejam exigidas pelo governo, ampliando as opções de produção. O projeto ainda tem que passar pela Câmara dos Deputados.

Ao mesmo tempo em que a pauta é analisada internamente, no âmbito internacional, diversos países junto à OMC (Organização Mundial do Comércio) buscam agilizar a quebra de patentes firmando um acordo entre Estados que possuem empresas produtoras de vacinas. Diferente da posição adotada pelo Congresso até aqui, o Executivo brasileiro declarou ser contra a medida, destoando de outros países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento como a África do Sul e a Índia. Durante as conversas, os Estados Unidos, historicamente contra a quebra de patentes, mudaram de posição e sinalizaram apoio à proposta que pode tornar a distribuição de vacinas mais equilibrada. A maioria dos laboratórios detentores da tecnologia está situada no país norte-americano e na Europa.

Embora a solução se apresente como uma saída viável para o momento de exceção, há outros fatores a serem considerados, como os impactos gerados na economia após uma quebra de expectativas e projeções. Rafael Bianchini, doutor em direito comercial e professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, explica que as empresas farmacêuticas serão afetadas negativamente, dando como exemplo a queda nas ações dessas indústrias  após a sinalização de concordância com a quebra de patentes por parte do governo americano.  Apesar disso, o economista ressalta que o mais importante a se analisar é a tendência deixada ao mercado, mirando uma recuperação global que, a longo prazo, pode ser mais benéfica para as empresas do que a manutenção do domínio sobre as tecnologias em contrapartida a uma baixa taxa de vacinação ao redor do mundo.

O direito à propriedade intelectual é o cerne da discussão do ponto de vista jurídico e nele estão apoiados aqueles que discordam da aplicação do método. Apesar disso, Bianchini aponta que a prática é legal e que não se trata de uma liberação de qualquer patente industrial, o que de fato geraria um descontrole no mercado. Além disso, na lei brasileira constam casos de exceção, como em uso abusivo do direito de patentes, que liberam a licença compulsória.

O posicionamento brasileiro, ao passo que o governo estadunidense abandonou a ideia de manter as restrições de propriedade intelectual, se torna cada vez mais injustificável, “uma completa insanidade”, segundo o economista. Ao revisar o alinhamento dos países, Bianchini os separa entre aqueles que possuem indústrias capazes de produzir as vacinas e aqueles com médio ou baixo capital e capacidade de produção nula. Sendo assim, os países que não contam com os elementos necessários para produzir seus próprios medicamentos não têm nada a perder com a licença compulsória, enquanto os que se enquadram no primeiro grupo teriam, em um primeiro momento, uma perda significativa no rendimento de suas empresas e, consequentemente, no PIB. O Brasil, embora possua o Instituto Butantan e a Fiocruz, até o momento ainda depende de insumos e tecnologia estrangeira, aproximando-se de países emergentes como Índia e África do Sul, que inclusive foram responsáveis por iniciar o processo junto à OMC.

Foto: Tânia Rêgo / Agência Brasil

Outro fator a ser analisado com o licenciamento compulsório é o incentivo à pesquisa. Desde o início da pandemia foi possível notar uma corrida entre grandes laboratórios pelo desenvolvimento de uma vacina, tanto que diversas opções de imunizantes já estavam em fase final de testes no segundo semestre de 2020. A pesquisa em casos como esse é incentivada em grande parte pela possibilidade de lucro com a venda dos produtos resultantes do trabalho científico. Até mesmo a eficácia, número de doses necessárias para atingir a imunidade e condições de armazenamento serviram para dar vantagens a certas fabricantes na hora da compra em relação aos concorrentes.

Bianchini sugere que o sistema de saúde global, baseado nesse esquema de pesquisa, talvez não seja o mais adequado, uma vez que o dinheiro investido na compra de tecnologias e patentes estrangeiras poderia ser utilizado para fomentar a pesquisa no próprio país, gerando um retorno no âmbito econômico e da ciência e trazendo maior independência. A pesquisa científica também tem o Estado como grande investidor. Segundo o economista, há uma ilusão ao acreditar que somente o setor privado é responsável pelo desenvolvimento. “No fundo quem coloca mais dinheiro, quem arca com os riscos são os Estados, afirma Bianchini, qualificando o Estado como “um enorme investidor”. Ressaltando que, embora trabalhe no Banco Central, as opiniões de Bianchini não refletem o posicionamento da instituição.

Em um panorama geral, a quebra das patentes não significa somente vantagens ou desvantagens para os países e laboratórios produtores de vacinas. A economia pode se recuperar, inclusive superando lucros que deixaram de ser obtidos com a perda da exclusividade da tecnologia, com um ambiente mais propício no mercado global. Do ponto de vista epidemiológico, também não se pode descartar a possibilidade do surgimento de novas cepas com a vacinação lenta, o que pode prejudicar a eficácia dos imunizantes e levar até mesmo os países mais adiantados, como Estados Unidos e Israel, a uma nova crise. Bianchini ressalta que uma mudança no cenário global é a melhor solução para aplicar o licenciamento compulsório, alertando que o posicionamento rígido do Brasil “cada vez mais perde sentido”.

Foto: Tânia Rêgo/ Agência Brasil