Segundo profissionais da saúde, foi observado um enorme aumento de casos de depressão, ansiedade e transtorno obsessivo compulsivo (TOC) na quarentena no Brasil. Não param de surgir relatos de como as pessoas andam mais agressivas, tristes e angustiadas. A quarentena que começou em março de 2020 se estende até hoje e preocupa psicólogas quanto às consequências do isolamento a longo prazo.
Há alguns hormônios que só são liberados com a interação social. “Ao tocar, abraçar alguém que você ama, você libera ocitocina, um dos principais hormônios da felicidade”, diz Luana Roque, 20, estudante de medicina na Escola Paulista de Medicina (UNIFESP) e uma das coordenadoras do projeto beneficente Voluntariado.
A ocitocina interage com vias neurais responsáveis por processar estímulos motivacionais relevantes e é conhecida como o hormônio do amor, união social e bem-estar. Assim como a ocitocina, a dopamina também é liberada em interações sociais. Esse hormônio estimula sensações de prazer e aumenta a motivação.
A partir do momento em que se corta o contato social, corta também o estímulo para a liberação desses hormônios que são essenciais para manter a saúde mental e até mesmo prevenir transtornos psicológicos. “O ser humano é um ser muito social, então a partir do momento em que ele se isola e se priva de ter essas interações ele fica mais triste, agressivo. O contato é muito importante para a felicidade e crescimento, a gente aprende muito com o outro” reforça Luana.
Além da questão hormonal, existe a questão psicológica da pandemia. A psicóloga clínica, Patricia Gimenez, 52, explica a intensidade de emoções desse período através de uma metáfora: “Somos que nem água que deveria estar fluindo naturalmente, estar circulando, mas estamos todos represados, então temos uma pressão para ir romper essa represa, é do nosso desenvolvimento psíquico querer sair desse lugar. Os sintomas psíquicos partem de uma força de querer romper essa barricada que foi criada, então por isso as emoções estão à tona, elas estão forçando essa barreira para voltar ao mundo”.
A metáfora da represa se assemelha com a ideia desenvolvida por Tamara Solano Macedo, 28, também psicóloga clínica: “Quando estamos com outras pessoas, indo para outros lugares, temos um escape, quando o indivíduo está isolado, ele é obrigado a pensar nele mesmo, obrigado a se olhar e encarar aquilo que já assombra a muito tempo e tudo aflora muito, todos os sentimentos.”
Além destas questões, ao se deparar com uma ameaça de morte tão próxima como um vírus desconhecido, o ser humano entra em estado de choque, o que pode acarretar em uma resposta traumática. “O que estamos vivendo hoje é um processo de estresse pós traumático coletivo” diz Tamara. Ela conta como na psicologia tem crescido a comparação de comportamentos na pandemia com os comportamentos de pessoas em guerra. “É como se estivéssemos vivendo em um contexto pós-guerra onde todos estão muito assustados, com fobias extremamente intensificadas” complementa Tamara.
O fato de estarmos isolados também complica viver o processo do luto por completo. Baseado na teoria dos 5 estágios do luto escritas por Elisabeth Kübler-Ross (negação, raiva, barganha, depressão e aceitação), Luana explica como é difícil realizar o processo de luto no isolamento: “Quando você perde os rituais de luto que a gente normalmente tem, como por exemplo, o velório, as cerimônias com familiares, você não absorve a perda como deveria e isso se transforma no luto complicado”.
O luto é um processo natural e esperado sempre que um vínculo se rompe, mas a partir do momento em que se tira os recursos que são usados para ele se realizar melhor, ele se transforma no luto complicado. Um processo que antes era dinâmico e contínuo se torna uma desorganização prolongada que impede o enlutado de retomar suas atividades com a qualidade anterior à perda, fazendo com que os indivíduos tenham um prejuízo relacional, social e de retomada de vida.
De março de 2020 até junho de 2021, 500 mil pessoas morreram por conta do Covid-19 no Brasil. “Cada um traz o luto de uma forma diferente, muitos trouxeram em forma da raiva, da angústia, de não conseguir dormir. Eu sinto que o Brasil inteiro está experienciando isso, um sentimento coletivo de uma grande perda”, relata Tamara. Conforme a fala anterior de Luana, junto com a perda vem o luto. A maioria da população brasileira perdeu algo ou alguém e com isso vem o luto, o luto complicado. Para lidar com ele, com angústias, ausências e tristezas, Tamara conta que tem visto muitas organizações, distribuição de alimentos, aulas online para quem não tem acesso e manifestações políticas como forma de buscar apoio para canalizar todas essas emoções.