Quantas mães viram seus filhos adoecerem e nunca mais retornarem para casa?

No último dia 19, o Brasil ultrapassou a trágica marca de 500 mil mortes por Covid-19. Na mesma data, milhões de pessoas foram às ruas reivindicar o impeachment do Bolsonaro.
por
Guilherme Dias e Inara Novaes
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29/06/2021 - 12h
Manifestação
Mulher participa da última manifestação, dia 19 de junho, na Avenida Paulista/ Imagem: Everson Verdião

 

Por Inara Novaes e Guilherme Dias

 

Especialistas estimam que a cada pessoa que morre, no mínimo, outras seis, vivem intensamente a dor do luto: são amigos próximos e familiares que são atingidos de raspão pelo vírus, mas estilhaçados por inteiro no peito. Em Santa Catarina, por exemplo, uma dona de casa aposentada perdeu uma de suas filhas mais novas e, antes mesmo que a ferida cicatrizasse, ela se viu enterrando o marido e outros quatro filhos num intervalo de apenas 39 dias. No Ceará, o drama se repete e um estudante de direito perde seis familiares em pouco mais de um mês. Primeiro, a avó materna; depois, o tio avô; e em sequência, um primo e três tias - as duas últimas na mesma madrugada. 

Por mais dolorosas que sejam, não é difícil encontrar histórias parecidas com essas em meio ao mar de gente que ocupou as ruas, praças e avenidas do país, nos últimos meses, para manifestar contra o Governo Bolsonaro. Na Avenida Paulista, em São Paulo, por exemplo, 750 mil pessoas reuniram-se no dia 19 de junho. Eram mães, esposas e filhos que perderam entes queridos para uma doença cuja vacina já existe, mas foi recusada diversas vezes pelo presidente.

Uma pesquisa apresentada recentemente por Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Brasil, na CPI da Covid-19, aponta que somente no primeiro ano de pandemia, 120 mil vidas poderiam ter sido poupadas se políticas públicas adequadas fossem adotadas. Na mesma ocasião, o epidemiologista Pedro Hallal, que lidera um estudo da Universidade Federal de Pelotas, mencionou que 400 mil mortes poderiam ter sido evitadas se medidas mais rígidas fossem implementadas pelas autoridades brasileiras que, em vez disso, preferiram encarar a pandemia com desprezo e negação.

Hoje, o Brasil tornou-se  o segundo país com mais casos e mortes por Covid-19, atrás somente dos Estados Unidos. Por isso, manifestantes se articularam para ir às ruas no dia 29 de maio e 19 de junho, reivindicando o impeachment de Bolsonaro, na esperança de que sua queda interrompa a espiral de mortes que cresce a cada dia mais. Confira a seguir, o depoimento de alguns deles.


"Quero que Bolsonaro caia, Mourão também, esse governo, seus ministros e aliados"

Everson Verdião

"Vou tentar responder rápido sem elaborar demais. Embora seja difícil, são muitas questões diretas e indiretas que estamos refletindo desde a campanha do atual presidente, que, vale dizer, sempre fui oposição; pelo fato desse homem não me representar nem de longe, nem quem me cerca e muito menos nossos desejos de mundo. É preciso reafirmar que existe sim uma necropolítica nos governando para o caos total, pautado no capitalismo violento e contra a vida de tudo que não se enquadre na cerquinha cristã, moralista, falsa, burguesa, branca, machista.

Vou às manifestações por ser pobre, por ser negro, por ser artista, por acreditar no caminho de transição socialista-comunista, por acreditar na vida, no amor, na arte, no prazer, todo poder ao povo. Por acreditar que a micro política em casa, família, amigues, tem muito poder mas também tem limite, é preciso se organizar e não se calar em situações de violência, as manifestações instigadas pela esquerda radical no país tem uma potência incrível do coletivo ficar mais forte e consciente.

É muito triste o que estamos vivendo, não dá mesmo pra ficar "de boas", estamos em guerra, parece até dramático falar isso mas se analisar bem sempre estivemos, mas essa batalha de agora nos destrói demais, nos faz voltar no tempo de um jeito muito negativo. É preciso lutar sim, entendendo e respeitando os cuidados com a saúde de cada um também, quem não vai pra rua pode sim movimentar outros espaços, inclusive virtuais.

Eu sou de Olinda, já participei de algumas manifestações em Pernambuco, no Rio de Janeiro e agora em São Paulo. Posso dizer que a sensação mais forte em mim é a de coletividade, de vibrar junto por o que acreditamos, de realinhar esses desejos e, também, de soltar alguns gritos de angústia, faz bem, é terapêutico depois de absorver tanta coisa desse governo ir pra rua e soltar é o mínimo! O último, 19J foi a coisa mais forte dos últimos anos, de vibração coletiva e mês que vem tem mais.

Estamos cada vez mais nos organizando e eu desejo cada vez mais a descriminalização ideológica do comunismo, mais pessoas se informando e se identificando enquanto socialista e buscando compreender o que deseja uma sociedade com princípios comunistas, sabendo que o Brasil é um país diferente de outros e que podemos sim construir esse lugar que dizem utópico, mas sim, é utopia mesmo que precisamos.

Quero que Bolsonaro caia, Mourão também, esse governo, seus ministros e aliados. Quero que isso aconteça antes da eleição 2022. Bolsonaro na cadeia".

 

Everson Verdião
Everson Verdião, artista, de 29 anos, está de camiseta azul/ Imagem: Raul de Lima.

 




"Estar nas manifestações e ver que existem pessoas procurando pela mesma mudança que eu, me dá uma pitada de esperança".

Gabryelle Pereira

"A minha maior motivação para ir às manifestações é sentir que eu tô fazendo alguma coisa para que a situação mude. Eu fico muito desanimada quando vejo a conjuntura que a gente vive e como tem tanta gente morrendo, seja por essa doença ou por outras coisas, e as pessoas que são responsáveis por isso não são responsabilizadas, sabe? Então, o que me motiva é essa sensação de poder fazer alguma coisa, de pelo menos estar lá, gritando, abrindo os pulmões por justiça.

No meio da pandemia é complicado. Realmente dá medo, mas eu acredito muito que pode acontecer uma mudança a partir daí, pode ser que ela seja rápida, pode ser que demore um tempo; mas, para mim, é muito importante ter esse espaço para expor minha indignação e eu me sinto muito contemplada - não sei se é muito bem essa palavra - mas estar presente nesses atos faz com que eu sinta que estou fazendo alguma coisa. Eu sei que a política vai muito além de manifestações, há todo um trabalho de base que precisa ser desenvolvido, mas estar lá nas manifestações e ver que existem pessoas procurando pela mesma mudança que eu, me dá uma pitada de esperança, eu me sinto mais animada. Sinto uma certa perspectiva de futuro, sabe? As coisas podem ser melhores e nada está tão perdido.

Para mim, pelo menos, o que é mais palpável através dos protestos é essa questão de abrir os olhos das pessoas. Talvez não tenha o resultado efetivo que a gente busca, que é a queda do governo, mas eu acho que se a gente conseguir mobilizar as pessoas e conseguir fazer com que o proletariado, a galera pobre de periferia entenda que a opinião dela, o voto dela é importante, acho que isso já vai mudar bastante o cenário pensando nas eleições do ano que vem. É isso mais que eu espero, muito mais do que a queda do Bolsonaro e de todo governo, é mais esse trabalho de base mesmo. Que exista uma mobilização popular, nas ruas ou não, mas que possa fazer com que as pessoas tenham um olhar mais crítico sobre a política e entendam que ela não se faz só de quatro em quatro anos". 

 

Gabryelle
Gabryelle Pereira, produtora audiovisual, 25 anos/ Imagem: Ale Menezes

 

 


 

"As manifestações de rua têm o poder de elevar a voz do povo"

Ana Carolina Migliora

 

"Eu sou militante organizada, o que me ajuda a ter uma noção maior do que a gente tá vivendo. Muitas pessoas têm medo de ir às ruas, por conta do vírus e isso é muito válido, mas no momento eu vou às ruas (vacinada da primeira dose), porque entendo que o governo é mais perigoso para nossa população do que o próprio vírus. 

Como sou grupo de risco alto por conta de uma questão de doença crônica, só fui a ato depois de vacinada, então o primeiro (desde o início da pandemia) foi o do dia 19 de junho, mas eu vejo que as manifestações de rua têm o poder de elevar a voz do povo e o que eu realmente espero que através das ruas se concretize a queda do governo Bolsonaro". 

 

Ana
Ana Carolina Migliora, ilustradora digital, 24 anos, à esquerda/ Imagens: Yasmin Guastini
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