Por Eleonora Marques
Como seria o seu dia se você não pudesse usar Internet, celular, computador e televisão? Você conseguiria trabalhar, estudar, passear e viajar? Mesmo que tenha respondido “sim” para alguma dessas perguntas, será que conseguiria chegar a todos esses locais sem um GPS? Em um mundo tão conectado - especialmente na pandemia - às vezes parece que a tecnologia sempre esteve aqui. Mas não é bem assim. Os eventos da história sempre foram registrados e transmitidos com as tecnologias disponíveis em seus tempos.
Quando Luzia Maria de Almeida (85) nasceu, em 1936, o rádio era artigo de luxo: ainda menina, ela conta que se lembra de ter apenas um em toda a vizinhança. Aos poucos, o produto começou a se popularizar um pouco e outras casas passaram a ter não só o rádio, mas também um móvel específico para colocá-lo. Afinal, naquela época, ouvir as notícias, músicas e novelas era um evento especial. “Lembro que de ouvir sobre a Segunda Guerra e de papai ficar preocupado, achando que podiam chegar no Brasil ou que alistariam ele e meu irmão. Quando ele falava disso, mamãe sempre ia para a cozinha. Lembro do cheiro do cigarro de palha dela e ela ensinando a gente a depenar galinha”, conta.
Segunda Guerra Mundial. Cigarro de palha. Depenar galinha. Todas essas cenas, que fizeram parte da vida de Luzia e de muitos dos idosos do Brasil, parecem estrangeiras aos mais jovens. Edil Baffa (88), natural de Queluzito-MG, também relembra acontecimentos que para ela parecem recentes, claros na memória, mas que já podem estar distantes para boa parte da população. Ela conta que veio para São Paulo aos 17 anos, acompanhada do pai e dos irmãos. “Íamos todos juntos ‘tomar’ o bonde para ir trabalhar. Meu pai tinha me conseguido um emprego de datilógrafa no Ministério do Trabalho na época, eles trabalhavam lá perto também”, diz.
Ao ouvir suas histórias, é possível perceber que Luzia, Edil e todos os idosos presentes na sociedade viram a maior parte das invenções do século passado surgirem. E se adaptaram a elas. Porém, na velhice, essa tarefa pode ficar mais difícil.
“Até hoje não sei usar WhatsApp. Consigo mandar mensagens para os contatos que tenho salvos, mas ligar, mandar áudio... Vish!”, brinca Luzia.
De acordo com o neurologista Bruno Funchal, colunista do site "Neurologia Integrada", essa dificuldade relatada por Luzia é normal. Com o passar dos anos, os neurônios atingem seu limite de funcionamento cognitivo, fazendo com que a velocidade e a qualidade das conexões sejam prejudicadas.
Além disso, uma pesquisa realizada pela Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto (FMRP), mostrou que os idosos ainda encontram barreiras adicionais. Entre elas estão as letras pequenas e o aparelho vir configurado em inglês. Segundo a autora do estudo, Taiuani Marquine Raymundo, outro problema é a idade com que foram apresentados às novas tecnologias. Para ela, isso pode ser um obstáculo tanto para que entendam a tecnologia, quanto para que a acrescentem ao seu cotidiano.
Ainda, do total dos entrevistados por Taiuani, 40% relataram ter medo de utilizar novas tecnologias, 24% deles por receio de danificar o aparelho. Os motivos para isso podem ser múltiplos, mas, entre eles, pode estar a maneira com que os idosos foram ensinados a lidar com a tecnologia ainda na infância.
Como o rádio, vitrola e demais aparelhos modernos para a época eram caros, tanto a família de Edil, quanto a família de Luzia não permitiam que elas tocassem neles: o manuseio dos aparelhos era restrito somente aos adultos.
Para driblar esse possível trauma, a paciência de filhos e netos e a criação de cursos de inclusão digital voltados para esse público podem ser boas escolhas.