Psicóloga testemunha decapitação em Sapopemba

Em um de seus momentos mais trágicos, trabalhando na antiga Febem, Ilda Aparecida da Silva vivencia extrema violência
por
João Pedro Lopes Oliveira
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22/06/2023 - 12h

Em meio ao caos e a violência que assolavam a comunidade de Sapopemba, psicóloga presencia cenas traumatizantes em visita à FEBEM. Ao adentrar nas instalações da instituição e rapidamente encontrar seu paciente, uma rebelião entre os detentos começou a se formar, com jovens subindo no teto, quebrando objetos, se agredindo e até decapitando um dos criminosos no local bem na sua frente, sendo ameaçada por criminosos Ilda recebe proteção de grupo de jovens que um dia foram seus pacientes.

Ilda Aparecida da Silva (53), psicóloga da instituição CEDECA (Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente), por trabalhar na área da psicologia social no distrito de Sapopemba zona leste de São Paulo, teve que passar em algumas regiões conturbadas, sendo majoritariamente comunidades tomadas pela chegada das recém-formadas organizações criminosas que se expandiram com o tempo.

No começo dos anos 1990, em visita à FEBEM já depois de meses trabalhando na comunidade, ela relembra o local: "era enorme e abarrotado de crianças e adolescentes". Em alguns minutos lá dentro, logo encontrou seu paciente, apoiando-o naquele momento difícil no meio de vários estranhos perigosos. Como era de costume naquela época, começou ali uma rebelião entre os detentos. “Aquilo tinha se tornado um caos, diversos jovens se agredindo e quebrando tudo lá dentro, subindo no teto, roubando carros e se matando, eu vi um sendo decapitado, foi traumatizante, mas rapidamente um grupo veio até mim fazer minha proteção até a saída, grande parte eram pacientes que já me conheciam.”

Ilda adentrou nas comunidades do bairro Jardim Elba ainda nos seus primeiros anos trabalhando na comunidade. Precisou ir à região pois estava indo ao encontro de uma criança que morava por ali para ajudá-la, mas não imaginava o quão perigoso o local tinha ficado. Muitos confrontos aconteciam, então ela tinha muito medo de algo acontecer com sua equipe e seus pacientes, no começo os moradores da comunidade não gostavam muito da presença de desconhecidos na comunidade, mas o que deixava ela protegida eram justamente as crianças e adolescentes que atendia. Ilda rememora um acontecimento que a assustou: “Uma vez quando entrei na comunidade ouvi um relato de que havia um novo dono daquele local, membro de uma facção criminosa, ele veio ao nosso encontro, eu não o vi, mas escutei ele puxando seu gatilho, quem me salvou foram os jovens ao redor que falaram: “é a tia do CEDECA, não meche com ela”. Foi ali que comecei a criar um laço de afinidade e confiança com os moradores”.

Viver nessas áreas onde o crime era constante causava apavoro nos moradores, não somente pelo fato de que era no começo das construções de facções criminosas, mas também por inúmeras operações policiais na tentativa do combate à violência, tráfico e desordem no meio. Justamente essa é a continuação de sua história, o momento que começou as guerras entre polícia e comunidade, um pouco após o primeiro caso de medo relatado veio o segundo, novamente no Elba e à trabalho. “Estávamos saindo da casa de um paciente quando vimos os moradores correndo assustados avisando que a polícia fechou o local e estava atrás de um membro de uma facção.” Ela continua a contar quanto tempo eles tiveram que ficar ali, com medo, em meio a uma guerra, mas também que não aconteceu nada pior, e depois de algumas horas seu grupo conseguiu se identificar para conseguirem sair. Voltando para a comunidade apenas uma semana depois, a ação policial durou entre seis e sete dias, Ilda diz que conseguiram pegar o membro da facção, mas infelizmente também levaram um jovem que era seu paciente, que foi encaminhado para uma unidade da FEBEM mas foi liberado alguns anos depois. Isto que a torna uma profissional da saúde, essa troca de afetividade com a comunidade e com os jovens, a coragem que teve ao enfrentar tantos perigos em prol da esperança e a confiança que ela conseguiu criar em um ambiente tão caótico que perdura até hoje na região de Sapopemba.

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