Na esquina da Avenida Mário Andrade com a Praça Doutor Osmar de Oliveira, debaixo de uma grande, ou do lado do ponto que passa o ônibus 175P-10 sentido Ana Rosa. Com sua mesinha, vendendo café, lanches e bolos, Gabriel passa suas manhãs conquistando sua renda mensal pelo trabalho informal há mais de 11 anos. Mas nem sempre foi assim.
Antes de começar a trabalhar nesse ramo, Gabriel trabalhava em uma gráfica, recebendo apenas doze reais por dia. Pelo trabalho que exercia, o salário era muito baixo. Incomodado, já estava pensando em deixar o emprego, por isso, foi conversar com seu chefe. Ele conseguiu um aumento, porém foi de apenas dez reais. Com isso, pediu demissão.
A entrada para esse mundo das vendas veio de um homem que vendia bolo perto de sua casa, região de Casa Verde. Ele ensinou tudo para o Gabriel, postura, como vender, estoque, até as receitas dos bolos. Mas o principal de todos, como tratar um cliente. Já sua mãe deu a ele aulas de despesas, economia e gastos.
Sempre com um sorriso no rosto, tratando os clientes como amigos. Quando alguém se aproxima ele fala “Bom dia”, “Bom dia meu anjo” e “Bom dia, patrão”. Ele também tem outra forma de ganhar o cliente “Se o cliente fala que o bolo tá sem açúcar eu não vou falar que ele está errado, eu deixo ele pegar outro e que na próxima vai estar certo”. Gabriel também teve ajuda do homem dos bolos para auto promovê-lo, sempre dizendo que passaria o ponto para ele, assim os clientes teriam a confiabilidade de continuar comprando no local.
O começo não foi fácil, além de ser um negócio que não dá uma certa estabilidade, tem a parte da timidez, da vergonha “Parecia que eu estava pedindo esmola”. Uma parede importante de se quebrar, porém difícil.
Perguntei a ele se já vivenciou alguma situação de desigualdade, e me contou a única que vinha a cabeça no momento.
Sua mãe havia guardado dinheiro para Gabriel e sua irmã para pagar a faculdade e coisas de seus interesses. Com uma boa quantia em mãos ele logo pensou em comprar um carro. Foi em uma primeira concessionária, mas a recepção não foi uma das melhores. O vendedor foi seco na explicação dos componentes do carro e para tirar dúvidas, ele não o via como comprador.
Ainda na tentativa de ter um carro, foi a uma segunda concessionária. Dessa vez, porém, o tratamento foi totalmente diferente. O vendedor foi muito atencioso, quase convencendo o Gabriel a comprar uma Mercedes, mas acabou ficando com um carro mais popular. Porém o veículo começou a apresentar problemas, assim, tendo que voltar à concessionária. Chegando lá, falou todos os defeitos que o carro tinha, o vendedor começou a falar os custos que ele teria, porém ele já tinha gastado todo o dinheiro com o carro. Com isso, mais uma vez, a abordagem mudou. No fim Gabriel conseguiu que o carro fosse pra revisão, por conta da rapidez que o automóvel apresentou problemas. Dessa experiência Gabriel ganhou maturidade e começou a se atentar sobre a responsabilidade financeira.
Essa decisão de comprar ou não a Mercedes poderia ter mudado completamente rumo da vida de Gabriel. Sua esposa, Bianca, e sua irmã tiveram uma briga que acabou em tapas, enquanto ele lavava a louça. Seus pais saíram de Minas para São Paulo após essa briga, azedando o pé do frango para o seu lado. Toda essa situação resultou na expulsão de Bianca da casa, e Gabriel foi junto, pois não podia abandoná-la. Eles foram expulsos da casa que haviam construído, na parte de cima da antiga casa dos pais, e sua irmã vivia em baixo.
Teve que viver de favor por um ano na casa da sogra, enquanto pagava a construção da casa, na qual demorou três meses para levantar. Na tentativa de ter algum lucro e de quitar uma dívida, Gabriel colocou a sua casa para alugar, e conseguiu! Porém a pessoa que alugou só trouxe prejuízo, não pagando o aluguel e quebrando os móveis da casa.
Pensando em sair das vendas, sua esposa ficou grávida, então decidiu continuar. Vendo como contornar a situação, procurou outro ponto de vendas, e encontrou, próximo a saída C do terminal Barra Funda, tendo sua virada de chave a partir desse momento, as coisas começaram a se estabilizar. Conseguiu voltar pra casa, deixando o orgulho de lado. “Imagina essa situação se eu tivesse comprado a Mercedes”
Hoje, Gabriel vive com Bianca e suas duas filhas e não pensa ficar apenas nas vendas “Minha mulher está fazendo faculdade, também penso em fazer, mas ainda não decidi qual curso”. E mesmo sem nenhuma graduação ele diz não ficar atrás na inteligência “Ela pode estar na faculdade, mas eu não fico atrás na inteligência não”, brinca Gabriel com seus 11 anos de experiência no mundo das vendas.
Um passo à frente
Fazer essa reportagem foi um grande desafio para mim, pois eu tinha que entrevistar uma pessoa que eu não conheço e cara a cara. Todas as outras entrevistas que eu tinha feito foram por e-mail, então eu nunca tinha vivido essa experiência.
Um dos principais motivos para querer fazer esse texto foi por conta do título, que eu achei sensacional. Modéstia à parte, me acho muito bom fazendo títulos. Minha ideia inicial era conversar com crianças que vendem doces na rua, mas seria muito trabalhoso e complicado. Então tentei encontrar algo relacionado a essa área.
Como sou do Tatuapé, sempre pego a linha vermelha para ir até a Barra Funda e, desde que entrei na PUC, eu via alguém vendendo café da manhã no terminal. Às vezes era um homem, às vezes era uma mulher. Então, a partir dessa ideia, eu tinha uma pauta.
Eu teria conseguido a entrevista antes? Talvez. Mas estava me faltando coragem para conversar sobre o trabalho. Passou segunda e terça, e eu não movi um pé pra conversar. Como eu teria mais tempo na quinta, quarta feira era meu deadline.
Então fui conversar com a moça, só que eu não sabia como abordar, tanto é que eu fiquei a rodear a mesa, na espera de que ela me notasse. No fim, uma senhora que estava comendo deu um toque para ela, indicando que eu queria falar. Creio que falei muito atrapalhado, pois estava muito nervoso e com vergonha. Bom, ela também. Ela disse: “Você não quer conversar com meu irmão, eu sou muito tímida e ele com certeza tem mais histórias interessantes”. Concordei, agradeci, e fui esperar o ônibus chegar. Ainda sinto que eu não abordei a situação direito, talvez eu pudesse insistir um pouco mais, mas só queria alguém para entrevistar para fazer o trabalho.
Então, no dia seguinte, com pouca vontade de ir. Fui. Com o pensamento de que valeria a pena. E a mesma cena se repetiu. Sentei-me no murinho, rodeei a mesa, e alguém deu um toque para o vendedor. Comprei um lanche, a única forma que encontrei de falar com ele, também porque eu esqueci de fazer meu lanche em casa.
Foi uma conversa muito boa, porque enquanto conversava com o Gabriel, eu via um pouco do seu dia a dia. Sempre muito simpático, de olho para ver se aparecia algum cliente. Parava a conversa para atender, tirava dúvida de locação. Até eu ajudei uma moça que perguntou onde passava o ônibus 175P. No fim das perguntas padrões a conversa fluiu melhor, algumas histórias que não cabiam nessa reportagem, mostrou foto de suas filhas. Me tratou como um amigo, assim como ele faz com todos os seus clientes
Um ponto importante é que, da próxima vez, é melhor gravar a conversa do que ficar anotando em um caderninho, porque não dá para pegar toda a essência da conversa, e provavelmente eu deixei escapar muita coisa. Por isso que eu acho que eu não contei a história direito, talvez esteja muito superficial, talvez falte um detalhe importante, mas tudo serve como aprendizado.
O mais importante de tudo isso foi o passo que eu dei para quebrar essa minha timidez, e quando eu comentei com o Gabriel, ele também me contou sua experiência, que nunca é fácil, mas sempre tem um começo para a mudança.
Para quem pegar a linha vermelha, a mesa de café da manhã vai estar ou com o Gabriel ou com sua irmã, creio que eles revezam. Deem uma passada lá, jogar uma conversa fora, comprar um lanchinho, um bolo, um cafezinho.
Obrigado pelo lanche Gabriel, estava muito gostoso.
Esta reportagem foi produzida como atividade extensionista do curso de Jornalismo da PUC-SP