A quarentena determinada pela Covid-19 trouxe à tona uma questão há muito tempo discutida por economistas e formuladores de políticas públicas: a possibilidade de destinar uma renda básica às camadas mais pobres da população, sobretudo em momentos de crise.
Entre as medidas do governo para atenuar os impactos da pandemia, a proposta de renda básica – também chamada de renda mínima – está sendo materializada no auxílio de R$ 600 concedido a trabalhadores informais, mulheres chefes de família e outros segmentos penalizados pela paralisação inédita da atividade econômica. Porém, de acordo com especialistas, embora relevante, essa renda está longe de ser suficiente, considerando que equivale a pouco mais de metade de um salário mínimo.
A Agemt conversou com dois especialistas da área econômica e administrativa, que explicaram o conceito de renda básica e se posicionaram sobre sua aplicabilidade no cenário brasileiro.
O primeiro entrevistado foi Paulo Feldmann, professor livre-docente do Departamento de Administração da Faculdade de Economia e a Administração (FEA) da USP e doutor em administração pela Fundação Getúlio Vargas. O segundo foi João Almeida Santos, professor de economia da Universidade Metodista de São Paulo e doutor em economia pela PUC-SP.
Os dois destacaram a importância de programas de renda mínima, não apenas no atual contexto de crise, mas também para o futuro. Feldmann observou que alguns países, como a Dinamarca e a Finlândia, já adotaram a medida de forma permanente, buscando amortecer os impactos do desemprego, que, por razões tecnológicas, inevitavelmente irá aumentar no futuro.
Feldmann disse que é inegável que muitas pessoas hoje assumem funções não muito valorizadas pela sociedade, como trabalhos de caráter mais braçal, como delivery, telemarketing, entre outros. Após a precarização por que têm passado nos últimos tempos, esses postos de trabalho caminharão para a automação completa, ou seja, a mão de obra humana será substituída por máquinas com maior capacidade de trabalho e inteligência cada vez mais desenvolvida.
O professor da USP contou que o Japão, considerado uma das maiores potências tecnológicas do mundo, está implantando pela segunda vez a renda básica. Após um primeiro teste, os resultados foram verificados e serviram de base para uma segunda edição aprimorada do programa, aplicado em forma de lei em todo o território japonês.
Segundo Feldmann, esses países concluíram que a renda mínima é a melhor medida para salvar grande parte da população de uma crise econômica sem precedentes.
Almeida, por sua vez, disse que a precarização do trabalho ressalta a necessidade de programas de renda básica. Ele comentou que os trabalhadores precarizados (por exemplo os motoboys autônomos que trabalham para empresas como Rappi e Ifood) mal conseguem se sustentar com o que recebem, já que não têm um salário fixo e muito menos direitos trabalhistas.
“A precarização está na relação entre empregador e trabalhador e a forma em que o trabalho é realizado. Não existe contrato formal de trabalho (ou, quando existe, ele é como falso empreendedor com registro de MEI – microempreendedor individual), além de outros problemas graves para o trabalhador, como a falta de jornada de trabalho definida, falta de EPI – equipamento de proteção individual –, equipamento inadequado e etc”, comentou Almeida.
Os dois entrevistados concordaram que os recursos não devem vir apenas do governo federal, mas da taxação de grandes riquezas e de impostos sobre os bancos. “O principal problema da renda básica é de onde irão sair os recursos, já que o governo não possui uma riqueza infinita. Nos países escandinavos há impostos sobre as grandes riquezas, aqui no Brasil isso seria primordial para angariar recursos e destina-los à população”, disse Feldmann.
Mas, para fazer isso, salientou, seria necessária uma reforma total no sistema tributário do país, que é extremamente desigual: os que têm menos renda pagam relativamente mais impostos do que os que possuem mais. “O ponto central de uma reforma tributária é sempre o imposto de renda, onde as pessoas muito ricas devem pagar taxas muito mais altas do que as pessoas mais pobres. Com essa mudança, o governo federal destinaria esse recurso para as áreas principais, como educação, saúde, segurança pública e etc., além de poder destinar parte desses ganhos para o projeto de renda mínima”, acrescentou Feldmann.
O professor da USP considera insatisfatório o auxílio de R$ 600 anunciado pelo governo para amortecer os impactos da pandemia. “Os R$ 600 não serão suficientes. Esse valor terá que aumentar muito, não existe outra saída para a economia que não seja a diminuição do neoliberalismo, pois o governo deve intervir na economia. O governo é que precisa salvar e auxiliar a população nesses tempos de crise, priorizando as necessidades da população em detrimento do lucro privado."