Proposta de ‘imprimir dinheiro’ divide economistas

por
Júlia Pestana
|
04/05/2020 - 12h

Em meio à discussão de medidas que possam atenuar os impactos do novo coronavírus, o secretário de Fazenda e Planejamento de São Paulo, Henrique Meirelles, fez uma proposta que dividiu os economistas. Em entrevista à BBC News Brasil, Meirelles sugeriu que o Banco Central (BC) “imprima dinheiro” para combater as consequências econômicas da pandemia.

Presidente do BC durante os dois mandatos de Lula (2003-2010) e ministro da Fazenda no governo Temer (2016-2019), Meirelles defendeu sua proposta com veemência, argumentando que a retração da economia será tão brutal que não haverá risco de inflação. Entretanto, a opinião está longe de ter unanimidade. Para alguns economistas entrevistados, a proposta pode ser uma solução viável; para outros, está fora de cogitação diante do risco de inflação e por existirem alternativas mais indicadas para o contexto brasileiro.

Dinheiro que dá em árvore

A ideia de “imprimir dinheiro” frequentemente é interpretada de forma errônea, uma vez que não é baseada apenas no aumento da quantidade de papel-moeda, e sim em um conjunto de fatores que promovem uma expansão na base monetária. Entre eles está a compra e a valorização de títulos pelo BC, que gera dinheiro para o mercado e o redireciona para investimentos e empréstimos.

Com a economia estimulada, a taxa básica de juros (no Brasil, a taxa Selic) diminui e a demanda é aquecida novamente. Porém, outros fatores podem influenciar os resultados da medida, entre eles a inflação.

“Para dar certo precisaria ser bem pensado”

Para o professor da GVLaw Rafael Bianchini, existe a possibilidade de adotar a ideia da emissão de moeda, mas “não pode ser uma medida perene, tem que ser muito pontual para essa crise que estamos vivendo”.

De acordo com o economista, o que está subjacente ao conceito de imprimir dinheiro é o Banco Central financiar o Tesouro, mas hoje isso é vedado pela Constituição Federal (artigo 164, parágrafo primeiro). “Ou seja, demandaria uma emenda constitucional ou no mínimo um outro entendimento da Constituição." 

E um dos maiores temores diante da adoção da medida é a inflação. Porém, segundo Bianchini, com o isolamento social, a demanda está caindo muito mais do que a produção. O professor menciona os dados do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) do mês de março, que mostram  uma inflação muito elevada nos preços de alimentos (mais de 1%), mas no restante dos itens uma variação considerada baixa para o mês (de 0,7%). Além disso, o mercado já prevê uma deflação nos próximos dois meses. “Então esse risco de inflação, nesse tipo de contexto de uma crise tão forte como a da Covid, é muito pequeno”, diz o economista.

Para Bianchini, caso se decidisse adotar a proposta de Meirelles, seria necessário criar uma emenda constitucional bem desenhada, “porque voltando a normalidade não faria sentido o Banco Central continuar financiando o Tesouro Nacional, até para não ser uma violação a nossa Constituição”.

Professor da PUC prefere a venda de reservas

Já para o professor de economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Claudemir Galvani, a emissão de dinheiro não seria a melhor ideia, e sim o endividamento, “porque a dívida você tem um prazo maior para pagar e a inflação é um negócio muito mais difícil de controlar”.

Galvani diz que na crise de 2008 – quando as Bolsas de Valores despencaram, fazendo com que os governos de vários países anunciassem planos de socorro à economia – a dívida interna no Brasil estava próxima a 45% do PIB e a emissão de moeda foi adotada como uma saída.

“Pode ser uma boa possibilidade apenas quando a dívida está muito alta ou quando o mercado não está mais aceitando comprar títulos do governo”, avalia o professor da PUC-SP. “Nós temos US$ 340 bilhões de reservas, o que é muito grande, então daria para vender quase um terço disso e continuar com uma brutal segurança", acrescenta.

“Não serve para um país como o Brasil”

Para Zeina Latif, doutora em economia e ex-economista-chefe da XP Investimentos,  a medida defendida por Meirelles não é a melhor prescrição de política econômica para o Brasil, pois reeditaria, segundo ela,  um erro cometido pelo país até meados da década de 1980, quando  o BC injetava liquidez de maneira direta ou indireta e o resultado era uma hiperinflação, debelada apenas com o Plano Real, em 1994.

A proposta seria viável, de acordo com a economista, se adotada em países que têm marcos institucionais mais sólidos e que não possuem problemas de inflação. “A nossa inflação agora está baixa, mas vamos lembrar que até outro dia a gente estava falando de uma inflação que ameaçava sair do controle no governo Dilma. Então não temos ainda um BC com regimes de metas tão solido assim”, afirma.

Segundo Zeina, a emissão de moedas colocaria em risco o cumprimento das metas de inflação, viabilizado normalmente pela fixação adequada da taxa básica de juros. “Nesse desenho você não teria como deixar a taxa de juros positiva. Iriamos ter fuga de capitais do país, porque ninguém iria comprar dívida pública com juro zero”, explica a economista.

“Na hora da crise, o Estado precisa intervir e logo”

Para Marcos Henrique do Espirito Santo, professor de economia do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), “a emissão monetária é necessária, porque ela não necessariamente causa inflação”. Segundo ele, “é importante lembrar que na caixa de ferramenta dos economistas nada é estático”.

Espírito Santo cita o caso do governo dos Estados Unidos, que vai gastar aproximadamente US$ 2 trilhões. Ou seja, o país irá investir em sua economia mais do que o próprio PIB do Brasil. “Todo mundo vai expandir dívida e todo mundo vai ter que expandir a quantidade de moeda, e isso é da lógica de funcionamento do capitalismo”, afirma o professor da FMU.