Recém-lançado pelo Disney+, o filme “Rise” conta a história dos irmãos Antetokounmpo (Giannis, Thanasis e Kostas), que enfrentaram o processo de migração da Nigéria para a Grécia, preconceito e dificuldades financeiras, mas encontraram no basquete a oportunidade de transformar suas vidas. Hoje, os três irmãos são milionários e campeões da NBA (National Basketball Association), e Giannis, o melhor entre eles, já soma dois prêmios de MVP (melhor jogador da temporada) na liga norte-americana.
“O esporte muda vidas”. É nisso que acreditam os irmãos Antetokounmpo e tantas outras pessoas que buscam impactar crianças e adolescentes por meio dele. Rodrigo Mussini, criador do Instituto Recanto Basketball, crê que não existe ferramenta mais transformadora do que o basquetebol.
O Recanto é um projeto social que atua desde 2012 dando aulas de basquete para meninas de 10 a 17 anos na região de São Mateus, Zona Leste de São Paulo. Coordenado pelo professor Rodrigo Mussini, o projeto já atendeu mais de 200 meninas e tem resultados expressivos - não só esportivos, mas também sociais.
Rodrigo trabalha desde 2007 na Escola Estadual Recanto Verde Sol e, após cinco anos de vivência no bairro, viu a necessidade de criar uma iniciativa que levasse alguma modalidade esportiva diferente para a comunidade da região. “Eu montei as turmas de treinamento de basquete feminino, e hoje a gente está completando 10 anos, com objetivo maior de formar e transformar vidas pelo esporte”, diz o professor, em entrevista concedida à reportagem.
O projeto tem histórico vitorioso nas competições de base que disputa: são três títulos da Liga Nescau, além do bicampeonato dos Jogos Escolares do Estado de São Paulo e da jr. NBA. Mussini conta que já disputou - e venceu - torneios apenas contra clubes estruturados. “Quando a gente chega, o pessoal respeita. Pelo trabalho, pela nossa história, imaginam até mesmo que é um clube, mas é uma escola do estado, uma quadra em que a gente não tinha quase nada. Eu procurei compensar isso com muito estudo, pesquisa e trabalho com elas em quadra, ao mesmo tempo com a dedicação delas conseguimos transformar essa realidade”, complementa.
Mas os troféus não são o que o professor mais busca. Rodrigo fala com orgulho do trabalho em prol da transformação social: “Esse é o grande legado que fica, é isso que me enche os olhos. O basquete é um trampolim para que elas alcem voos altos na vida, através da profissão e da vivência que o basquete vai proporcionar para essas meninas”.
Um dos principais resultados da equipe foi conseguir, em 2018, levar três atletas para representar o continente sul-americano no mundial da jr. NBA. Julia Fonseca foi uma das selecionadas e contou à reportagem sobre a experiência: “Foi muito gratificante poder fazer parte disso. Eu confesso que de primeira foi um choque, realmente não estava esperando. Mas fiquei muito feliz, porque pude ver que os meus esforços estavam valendo a pena e não somente os meus esforços, mas como de toda a equipe - pois não teria conseguido se não fossem as meninas e o trabalho do Rodrigo”. Júlia encerrou seu ciclo como atleta no Recanto em 2022. Atualmente estuda fisioterapia, sonha em ser assistente técnica ou fisioterapeuta da seleção brasileira, e envia semanalmente alguns exercícios para as alunas do instituto.
Capitaneado por uma campeã mundial de basquete, um projeto social do interior de SP também merece atenção: o “Cesta de Três” foi idealizado pela ex-armadora Helen Luz, integrante dos times da “era de ouro” do basquete feminino brasileiro, e atende quase 500 crianças das cidades de Jundiaí e Louveira - onde mora com seu marido e parceiro de projeto, o espanhol Octavio. As aulas são ministradas em escolas parceiras, geralmente no fim do período da tarde, duas vezes por semana - meninas e meninos treinam em dias separados, para que as crianças “possam se soltar”, segundo Helen.
Medalhista olímpica em 2000 e campeã mundial em 1994 ao lado de nomes como Hortência, “Magic” Paula e Janeth, Helen iniciou o projeto após sua aposentadoria das quadras e busca fazer do basquete uma ferramenta educacional. “Não olhamos o esporte só como um desenvolvimento físico da criança. Muitas vezes as crianças são desencorajadas por serem ‘gordinhas’ ou ‘baixinhas’, e não vemos dessa maneira”, conta a ex-atleta. “Principalmente um esporte coletivo como o basquete, você passa os valores para as crianças. Disciplina, respeito, de ser solidário, de ser companheiro, respeitoso... Valores que o esporte traz, junto com a educação. Entendemos que é importante para o crescimento de uma criança, e a gente faz isso no nosso projeto”.
Apesar do sucesso com o Cesta de Três, Helen acredita que o Brasil não conseguiu aproveitar a geração vitoriosa (da qual ela fez parte) dos anos 90 para impulsionar o basquete, e que o esporte não recebe o tratamento devido no país. Campeã nacional jogando pelo Barcelona enquanto atleta, a ex-armadora compara o incentivo à modalidade em solo espanhol. "A maior diferença é na mentalidade com que o esporte é tratado. Lá na Espanha, a criança de seis, sete anos, recebe o mesmo treinamento de basquete seja em Zaragoza, cidade pequena, ou em Barcelona, muito mais rica e estabelecida. Existe uma unidade - ao contrário daqui do Brasil”, conta. “Tem a cultura do basquete por lá. Zaragoza tem 800 mil habitantes, mas deve ter uns 30 times femininos de basquete. Enquanto isso, campeonatos de base em São Paulo quase não tem quatro times - sendo que cabem uns dois ou três países da Europa ‘dentro’ de SP”, conclui a vitoriosa jogadora.
A falta de incentivos maiores acaba impactando muito os projetos sociais, como conta Rodrigo: “A gente tem uma final sábado (02/07) e eu não tenho transporte, a gente não sabe como vai para lá. Em um país com tantas empresas, com tanto dinheiro na política, não temos uma política de esporte forte. Era pra sermos potência em qualquer modalidade olímpica e a gente não é”. “Vemos os países pequenos da Europa mais organizados e que conseguem ser potência olímpica, né? Infelizmente a gente não tem apoio, a gente não tem incentivo, é na raça mesmo. Se hoje o basquete de base sobrevive é por conta da paixão de professores que estão no peito e na raça para fazer o basquete acontecer”, completa Mussini.
Para Helen, conquistar apoio é a maior dificuldade de liderar esse tipo de projeto: “Acho que o maior desafio é passar que a gente precisa do apoio e da parceria, mostrar a importância de se investir no esporte, no crescimento, no desenvolvimento da criança. Saber que aquela pessoa ajudando a gente, investindo na criança, ela vai ter uma sociedade melhor, um ambiente de trabalho melhor, aquela criança vai estar afastada da droga, vai estar com sonhos, vai estar focada em conquistar coisas, em ter uma carreira profissional. Isso para mim, acho que é o mais difícil, das pessoas do outro lado entenderem que o esporte é essa ferramenta, ele é esse caminho para a transformação na vida da criança”, afirma a campeã mundial.
A NBA Brasil tem procurado diminuir essa difícil situação. Programas como a NBA Basketball School tem incentivado o esporte nas escolas e promovido, por exemplo, a visita do Projeto Cesta de Três à NBA House, evento que aconteceu entre os dias 2 e 19 de junho. Além disso, a NBA Basketball School reformou a quadra do Instituto Recanto: foram instalados um placar eletrônico e novas estruturas de treino, além da doação de bolas de basquete para os alunos. Ainda é pouco, como relatam Rodrigo e Helen, mas o basquete brasileiro precisa desse tipo de apoio.