Produções sobre crimes reais ganham cada vez mais espaço

'É um gênero que chegou para ficar', diz o cineasta Maurício Eça sobre a difusão do true crime no Brasil
por
Maria Ferreira dos Santos
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02/07/2023 - 12h

Dificilmente uma notícia publicada nos jornais fica limitada ao campo jornalístico. É comum haver grandes desdobramentos a respeito do fato após a sua divulgação - seja se tornando assunto de debates ou até mesmo virando livro, ou produção cinematográfica. É o que acontece, por exemplo, com crimes que chocam uma grande parcela de pessoas. Há casos que, é possível dizer,  horrorizam o mundo inteiro. É nesse contexto que surge o gênero true crime.  

 True crime é o termo em inglês que designa obras sobre crimes reais. Indo muito além do “baseado em fatos reais”, essas produções normalmente têm alto teor jornalístico e jurídico , contendo entrevistas, autos de processos, gravações feitas em tribunais, imagens da cobertura da imprensa, entre outros elementos.“Fazer true crime é um processo muito sério. Foi preciso ter um acompanhamento jurídico muito forte, porque a gente está falando de vidas, de vítimas e de pessoas que ainda estão entre nós”, diz Maurício Eça, diretor dos filmes “A Menina que Matou os Pais” e “O Menino que Matou Meus Pais”.  

 O trabalho de Eça, lançado pela Amazon Prime Video em outubro de 2021, retrata o assassinato do casal Manfred e Marísia von Richthofen a pauladas pelo genro Daniel Cravinhos e seu irmão Cristian. Mais que a agressividade do crime, o que chocou o Brasil em 2002 foi o envolvimento da filha das vítimas, Suzane von Richthofen, como mandante. O cineasta conta que todo o processo de produção foi trabalhoso. “Todo o pessoal da equipe, os atores, os produtores, todos sabiam muito bem onde estavam pisando, tudo com um respeito imenso e sabendo os limites. Nós tivemos um cuidado absurdo e acho que isso fez a diferença.”

Foto do cenário dos filmes “A Menina Que Matou os Pais” e “O Menino Que Matou Meus Pais”, com os atores Carla Diaz como Suzane von Richthofen e Leonardo Bittencourt como Daniel Cravinhos Foto/Divulgação: Stella Carvalho/Galeria Distribuidora/Amazon
Foto do cenário dos filmes “A Menina Que Matou os Pais” e “O Menino Que Matou Meus Pais”, com os atores Carla Diaz como Suzane von Richthofen e Leonardo Bittencourt como Daniel Cravinhos Foto/Divulgação: Stella Carvalho/Galeria Distribuidora/Amazon 

Eça relembra algumas críticas feitas à realização dos longa-metragens, muitas delas por pessoas que não sabiam ao certo como o projeto seria executado. Segundo ele, a maioria se perguntava se os assassinos iriam receber cachê por isso, quando, na verdade, todo o procedimento foi feito com base nos documentos da época, não necessitando, assim, da busca pelos criminosos, portanto, esses além de não terem qualquer envolvimento com a iniciativa, não receberem valor algum. “ O que nos guia é o processo [judicial]”, afirma o diretor de cinema. 

 

Ainda sobre a aceitação do público, Eça avalia que alguns espectadores procuram “respostas simples, que não existem”, porque somente os que estavam presentes sabem a verdade sobre o crime. Na visão do cineasta, o intuito do true crime não é julgar ou inocentar alguém, mas sim apresentar o que se sabe sobre o ocorrido. Maurício acrescenta: “nosso objetivo em nenhum momento foi glamourizar essa história ou defender eles, era realmente mostrar [...]muitas vezes não tem que justificar, a gente tem que mostrar! Por que você vai justificar o que o cara fez? Não dá para justificar. É complicado né”.  

Sobre esse aspecto da aceitação do público, Thaís Nunes, roteirista que trabalhou em produções como “PCC: Poder Secreto”, da HBO Max, e “Rota 66: A Polícia que Mata”, do GloboPlay, fala da problematização acerca da “humanização” de criminosos. “É óbvio que há uma humanização daquela pessoa, porque ela é um ser humano. Desculpa informar, mas seres humanos amam, odeiam, vivem, trabalham, e alguns seres humanos matam, alguns seres humanos têm atitudes violentas”, argumenta Nunes.

Para a documentarista, essas produções podem auxiliar, até mesmo, para diminuir a incidência desses crimes. “E eu acredito muito que é só contando essas histórias de uma maneira propositiva, de uma maneira que enseja o debate, que a gente vai conseguir compreender a violência e conseguir pensar em políticas públicas e em outros mecanismos para combatê-la”, concluí. 

Ao ser questionado sobre a consagração relativamente recente do gênero no público  brasileiro – ao menos em comparação com outros países, em que já é um fenômeno antigo —, Eça observa que  “o true crime já está sendo consumido no Brasil há muito tempo, mas só agora ele está sendo aceito em produções locais”. O diretor avalia que parte do motivo de tal crescimento talvez seja as circunstâncias do tempo. “A pandemia acelerou muito isso. Tem um pouco de inconformismo, um pouco de curiosidade, acho que tem um pouco disso tudo”. Ele conta também o quão difícil foi convencer os investidores a apostar nesses projetos. “Foram anos para conseguir convencer as pessoas a fazerem esses filmes. Elas consomem tanta coisa gringa, por que não consumir do brasileiro?” 

Foi justamente esse o questionamento que a jornalista Thaís Nunes se fez. “A gente precisa [produzir filmes true crime], por que a gente não tem isso no Brasil? Nós temos crimes tão complexos, né? Por que a gente não tem isso no Brasil? E aí eu coloquei a ideia da série da Elize Matsunaga no papel”, conta Nunes. 

Exemplos de produções cinematográficas sobre crimes reais produzidas no Brasil
Exemplos de produções cinematográficas sobre crimes reais produzidas no Brasil
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