Produção fonográfica teve leve evolução tecnológica e amplo avanço mercadológico

Especialista analisa o sucesso do formato digital e o futuro tecnológico para o áudio
por
Daniel Seiti
|
08/10/2021 - 12h

Por Daniel Seiti

 

Em 40 anos, a indústria fonográfica evoluiu drasticamente a partir do surgimento de novas tecnologias. Dos românticos discos de vinil, hoje rodeados por uma áurea nostálgica, ao uso diário das plataformas de streaming, a venda e o consumo de música se adequa a popularidade do mercado. Até meados dos anos 1980 era comum o hábito de, ao voltar das lojas de disco, deitar-se no chão de casa e ouvir a recente aquisição enquanto observava os detalhes do seu encarte.

Entretanto, o ato romântico e tátil no contato com a música, conduzido pela valsa nas rotações do LP, se perde em meio a automatização e evolução tecnológica, em que, cada vez mais, o indivíduo se distancia de um contato físico com produto – hoje, limitado a um breve e indiferente toque na tela do celular. Após a febre dos CD´s e dos reprodutores de MP3, o streaming se populariza e domina a maior parte do mercado fonográfico.

De acordo com dados da IFPI (Federação Internacional da Indústria Fonográfica), em 2020, as plataformas de música digital, lideradas por Spotify, Apple Music e Deezer, representam 62,1% de toda a receita global da indústria. Juntas, as três empresas acumulam 443 milhões de assinantes pagantes. “O streaming, no contexto popular, é melhor compreendido como um adendo ao smartphone, tal como um aplicativo e sobre seu uso em aspectos musicais. Eu prefiro me abster a comentar a vulgaridade ou mediocridade que isso possa representar em termos mercadológicos e de consumo”, afirma Sami Douek, engenheiro especialista em áudio.

Apesar das poucas diferenças no meio de gravação, Douek considera que fisicamente, a mudança está relacionada ao formato do registro sonoro. Assim, enquanto os modelos de gravação anteriores estão associados ao processo mecânico e analógico, no streaming a música perde essa característica ao se tornar um domínio numérico. O especialista também ressalta que a impulsão das inovações tecnológicas nesse setor está diretamente atrelada ao mercado e ao consumo.

Sami Douek
Sami Douek. Foto: Reprodução

“Se o assunto é música, o streaming é mais um bom mecanismo de busca do que uma oferta de conteúdo, pois o algoritmo implicado neste processo não está orientado para arte ou cultura, mas para o consumo”, explica. Diante dessa pauta, Douek afirma que o mercado fonográfico tem uma leve evolução tecnológica diante de uma boa evolução mercadológica. "Não teremos evoluções, mas comemorações no conhecido modelo de gravar, empacotar e distribuir um conteúdo cultural e musical”, analisa.

Em termos comparativos, entre o analógico e o digital, não é possível estabelecer critérios que determinem superioridade de formatos. Tratam-se de propostas e períodos diferentes. Essas diferenças, em combinação com as bagagens e vivências individuais, resultam na pluralidade de percepções e opiniões de cada um ao entrar em contato com a música, dependendo do formato utilizado. “Sobre a superioridade de um formato para o outro, não há regras que possam me sugerir absoluta sensatez, pois a interpretação depende de um contexto absolutamente humano, sensorial e neurológico. A qualidade percebida está relacionada também à memória e cultura de cada ouvinte", diz. Douek conta que este processo qualitativo tem uma construção social e política antes de ser estritamente técnica. "Não há como julgar qualidade de um formato sem reconhecer qualidade do conteúdo - muito variável - que não está mais relacionado com fidelidade da informação sonora com o registro fonte. Afinal, a nossa percepção auditiva é orgânica, pois não temos um par de microfones captadores associados ao cérebro”, observa o especialista.

Assim, no presente, ao ter contato com uma diversidade de formatos para o consumo de música, cabe ao ouvinte entender qual destes se adequa ao sentimento a provocações de sensações desejadas no momento. De um lado, a nostalgia dos meios do passado que carregam, não somente a história, mas uma experiência tátil com a música – uma espécie de herança romântica. Do outro, a evolução tecnológica das plataformas streaming que proporcionam o acesso um universo de possibilidades de maneira instantânea e permitem a busca por infinitos trabalhos em apenas um único aparelho remoto.