Por Nina J. da Glória
No coração de uma pequena fazenda nos arredores de São Paulo, a paisagem exibe fileiras simétricas de verduras, um campo verde que mais parece um quadro pintado com paciência e precisão. Cada folha simboliza uma promessa livre de químicos, cultivada à mão, mas também testemunha de um trabalho árduo, invisível ao consumidor final. Esse é o cotidiano de Mariana Silva, uma agricultora que decidiu, há quase uma década, abandonar a produção convencional para dedicar-se ao orgânico. No início, acreditava que seria um retorno ao básico, uma reconexão com a natureza. Mas a realidade mostrou-se mais densa e complexa do que o imaginado. O solo, como um organismo vivo, exigia constantes cuidados e uma compreensão que ia além dos métodos tradicionais. Cada semente carregava uma incerteza, e cada colheita trazia consigo os riscos de uma produtividade menor, vulnerável a pragas e intempéries. "O solo não aceita pressa", sua frase parece pairar na atmosfera ao redor das hortas, impregnada de paciência e resignação.
Nas redondezas, em outra propriedade de São Roque, Paulo Mendes compartilha a mesma visão, mas com uma trajetória que o levou ao orgânico por caminhos distintos. Ao contrário de Mariana, ele vem de uma família que cultivava com agroquímicos, mas sempre sentiu a necessidade de transformar as práticas de cultivo. Para ele, o orgânico é como um resgate da essência da terra, uma escolha que exige mais do que habilidades tradicionais. É um compromisso com o solo, com o ciclo de nutrientes e com o futuro. Paulo vê o campo como um delicado organismo, onde a compostagem e a rotação de culturas são essenciais, mas também um desafio financeiro. Cada safra se transforma em uma experiência quase artesanal, onde a eficácia do manejo natural precisa competir com a tentação das facilidades químicas. Esse processo, para ele, é como uma dança cuidadosa com a natureza, em que observar e respeitar o ritmo das estações torna-se tão vital quanto qualquer técnica de plantio.
Para Mariana e Paulo, a colheita orgânica traz consigo um custo invisível ao olhar do consumidor. A vulnerabilidade às pragas, por exemplo, é uma preocupação constante. Sem pesticidas convencionais cada infestação é uma batalha natural que, muitas vezes, se perde. A introdução de insetos benéficos para conter pragas ou o uso de biofertilizantes representa um custo adicional, tornando a logística do manejo um quebra-cabeça financeiro. Além disso, há as certificações rigorosas exigidas para que o produto receba o selo de orgânico, que Mariana descreve como "um segundo trabalho", com visitas e inspeções que, embora necessárias, absorvem ainda mais recursos.
No centro dessa cadeia está Cláudia Ramos, proprietária de uma loja de produtos orgânicos em São Paulo. De seu ponto de vista privilegiado, ela percebe o esforço e as dificuldades de seus fornecedores, mas também o descompasso entre o preço desses produtos e a percepção dos consumidores. Em cada item das prateleiras, Cláudia vê um microcosmo de esforço e idealismo, mas, ao explicar as diferenças entre orgânico e convencional, enfrenta um público que ainda considera o orgânico um luxo. Ela afirma que cada produto é uma história de sacrifício, e explica que o custo mais alto representa a vulnerabilidade da produção orgânica, que exige cuidados permanentes e colheitas menos previsíveis.
A produção orgânica, então, emerge como uma complexa equação de valores, sacrifícios e riscos. Cada um dos envolvidos—do campo à prateleira—carrega uma parte dessa carga, como se fosse um ciclo contínuo de compromissos, onde o ideal e o real se encontram e se confrontam. A busca pela pureza e pelo cuidado no cultivo se mescla a um cotidiano cheio de dificuldades, e o produto final se transforma numa espécie de narrativa silenciosa sobre perseverança e dedicação ao que se acredita ser o melhor para o futuro do planeta e do ser humano.