A pressão de escolher uma carreira aos 18 anos

Uma psicopedagoga e uma estudante decepcionada falam sobre os desafios e consequências da escolha para a vida acadêmica
por
Maria Clara Lacerda e Gabriella Maya
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13/06/2021 - 12h

É muito fácil conhecer alguém que tenha entrado em um curso e se decepcionado. A pressão sobre os estudantes em escolher uma faculdade e já decidir a carreira a ser seguida, é muito grande. Em uma conversa com uma estudante de letras decepcionada com seu curso, e com uma psicopedagoga, foi possível abordar um pouco mais sobre esse assunto.

A psicopedagoga Betty Monteiro fala da pressão exercida sobre os alunos, do sistema escolar brasileiro e de quem se sente perdido no mundo das escolhas acadêmicas.

AGEMT: Como essa pressão pela escolha de curso afeta a relação do aluno com os estudos?

Betty Monteiro: "Na verdade, essa pressão é tão séria que muitas vezes começa antes da criança nascer. A gente costuma dizer que toda família tem um filho idealizado e um filho real. Essa criança idealizada já é idealizada dentro do útero, e isso influencia absolutamente tudo, porque aí, aquele que não tem o dom ou o interesse em seguir o que foi projetado nele, costuma ser o filho fracassado. A pressão que a família exerce pro aluno seguir uma determinada profissão, ou pra que o filho seja um bom aluno, interfere muito nos estudos. Faz com que ele crie um bloqueio em relação à escolha, e sob pressão seu pensamento se fragmenta, e o aluno desiste de estudar."

Banco de Imagens IStock
Alunos cansados em sala de aula

AGEMT: Você acha que o sistema escolar do Brasil faz com que a relação do estudante com o ambiente escolar se transforme em algo ruim, negativo? E o que você acha do sistema escolar brasileiro?

Betty Monteiro: "O sistema escolar no Brasil faz com que o ambiente da escola seja algo negativo, muitas vezes. Uma coisa que eu percebo é que as escolas não investem em uma formação autodidata, ou seja, não encaminham o aluno pra aprender sozinho. Muitos professores apenas reproduzem o que eles leem, não sabem ensinar. Eles não levam o aluno a ter interesse. Eu acredito que pra gente escolher bem uma profissão, todos deviam fazer um estágio na adolescência, um trabalho voluntário, de livre escolha. 

Acredito que enquanto a gente não investir na figura do professor lá no ensino infantil, o sistema vai sempre deixar a desejar, porque tendo excelência no ensino infantil existe menos risco de o professor criar dificuldades e bloqueios. O fracasso começa lá no começo da jornada escolar, isso eu posso ver como psicopedagoga e psicoterapeuta que sou."

AGEMT: Os jovens têm esse sentimento de obrigação em escolher o que querem fazer pro resto da vida logo ao completarem 18 anos, principalmente por conta de todas as pressões ao longo da vida escolar. Como mudar isso e explicar que tá tudo bem se esse não for o caso?

Betty Monteiro: "O que eu falo pros meus jovens é que eles precisam sondar seus interesses e deixar bem claro que essa primeira escolha não precisa ser a única escolha, sempre é tempo de mudar, sempre é tempo de tentar aquilo que queríamos ter sido. Por que não fazer mais de uma faculdade ou interromper o curso que não está gostando, voltar, rever, começar outro? Sempre é tempo da gente buscar o caminho que necessitamos." 

 

 

O SENTIMENTO DE QUEM VIVE A PRESSÃO

 

Alice Severo, 22, estudante do curso de letras na Universidade Federal de Santa Maria, conta sobre a relação com o curso e o que a deixa mais decepcionada, além dos motivos que fazem com que ela permaneça na universidade.

AGEMT: Por que você escolheu o curso de letras?

Alice Severo: "Foi mais pela minha família. Eu sempre tive afinidade com literatura e língua portuguesa, mas nunca me vi trabalhando com isso, era mais um hobbie mesmo. Mas eu precisava entrar em uma faculdade logo, a nota do ENEM me colocava na primeira chamada e então eu fui."

AGEMT: O que mais te decepcionou?

Alice Severo: "O que me decepcionou foi a grade do curso que não explora tantas áreas, como escrita criativa ou até mesmo escrita na área do jornalismo ou qualquer outra coisa. Acho que a limitação é algo que me incomoda."

AGEMT: Você tem vontade de trocar de curso?

Alice Severo: "Sim e não. Trocaria pra fazer algo que tenho curiosidade e sempre quis, mas também tenho curiosidade de terminar esse."

AGEMT: Você acha que o sistema escolar brasileiro poderia ser diferente?

Alice Severo: "Acho que sim, mas acredito que isso seja um daqueles sonhos distantes que a gente passa a vida esperando ser testemunha..."

AGEMT: Você acha que ter de escolher o curso logo após sair do ensino médio fez com que você não conseguisse escolher de uma forma melhor, com mais calma?

Alice Severo: "A pressão de ter que fazer algo logo atrapalha muito. Eu tenho pouquíssimos amigos que tiveram a opção de escolher e depois mudar de curso, e mudar de novo até se achar em algo. Eu e a grande maioria tivemos que escolher a opção mais rápida e mesmo estando insatisfeitos, precisamos continuar. É todo um sistema que atrapalha uma boa parte da nossa vida, nos deixando insatisfeitos e às vezes doentes. Mas essa pressão vem desde o começo do ensino médio, então não é fácil fugir disso."

AGEMT: O que te deixa desanimada no curso?

Alice Severo: "O que mais me desanima são os professores, sinceramente. Não todos, mas aqueles que estão sempre um nível acima da gente. Isso atrapalha no aprendizado. Eles passam mais tempo se vangloriando do que passando toda a experiência para os alunos. Seria muito melhor ter uma convivência mais de colegas de profissão (em níveis diferentes, claro) do que professor-aluno." 

AGEMT: Você se sente pressionada, de algum jeito, por ter 22 anos e já ter que saber diversas coisas da sua vida? Como, por exemplo, a carreira que quer seguir, ou o que vai fazer depois que a faculdade acabar. 

Alice Severo: "Sim, muito. Mas particularmente tento não dar ouvidos a isso mais. Me deixou doente em outro momento da minha vida, e agora tento apenas viver a experiência completa pra depois decidir se preciso mesmo ter algo certo ou posso continuar tentando."


 

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