Presença de jogadoras negras no campo não se reflete na administração do futebol

Aline Pellegrino, agora diretora de futebol feminino da CBF, torna-se uma das exceções entre mulheres negras que ocupam cargos dirigindo clubes e federações
por
João Carlos Ambra e Maria Sofia Aguiar
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14/09/2020 - 12h

O Brasil tem 54% da população negra, com 27% desse total composto por mulheres. A transposição desses dados para o campo não se altera: no futebol feminino brasileiro, a maioria das jogadoras são negras. Contudo, fora dos campos, tudo muda. O futebol, sendo um espelho social, apenas reafirma a quase inexistência de mulheres negras ocupando altos cargos que, na esmagadora das vezes, são ocupados por homens brancos.

Podemos contar nos dedos quantas mulheres negras coordenam as equipes femininas”, afirma a jornalista negra Natália Andrade, que além de responsável por cobrir o futebol feminino em Minas Gerais no blog "Deus me Dibre", luta pelos direitos das mulheres negras no meio esportivo. 

 Quando se fala em mulheres negras na gestão de clubes e federações, o único nome que vem à mente é o de Aline Pellegrino, a Pellê - ex-jogadora da Seleção, atual Diretora da Federação Paulista de Futebol Feminino e possível candidata à gestora de futebol feminino na CBF.

Pellê na coordenação da FPF
Pellê na coordenação da FPF (Foto: Reprodução/El País)

"Em campo, a maioria das jogadoras são negras e as mulheres negras, ou melhor, as pessoas negras, em geral, não são vistas na intelectualidade. O que você vê no campo, não se reflete nos cargos de poder", afirma Natália.

Ter, então, Aline Pellegrino nesse cargo fora das quatro linhas, só reafirma a falta de oportunidade para as mulheres negras. Como qualquer outra pessoa, elas podem e são capazes. "Eu sou muito fã da Pellê. Dentro de campo ela já era absurda, fora dele, ela conseguiu ser mais ainda. Mas ela não tá ali por questão de representatividade, ela tá ali porque ela é extremamente competente", completa.

"Se a gente pensa na 'Santíssima Trindade do Futebol Feminino', no Brasil, é a Marta, que é uma mulher negra; a Cristiane, que é uma mulher negra; e a Formiga, que também é uma mulher negra. Então, em campo, isso é óbvio. Só que a gente é esquecida quando se fala em representar”

Santíssima Trindade do futebol feminino
Santíssima Trindade do Futebol Feminino Brasileiro: Cristiane, Marta e Formiga (Foto: Reprodução/Lance!)

Natália aponta que reconhecer a negritude é uma conquista crucial, e possibilita, por sua vez, o fortalecimento dos movimentos antirracistas e da luta pela ocupação em cargos de poder: "Quanto maior o poder, mais explícitas ficam essas demonstrações de racismo, justamente pela ausência de pessoas negras no poder, porque ali você passa a ser um animal exótico. Nós chegamos nos lugares e somos as únicas mulheres negras ali."

Ela ainda aponta o privilégio das mulheres brancas em relação às negras: "se as brancas são exceções, as negras são inexistentes". Desprezar o privilégio branco no feminismo apenas retrocede o movimento. "O problema não é a mulher ser privilegiada, é ela não reconhecer seus próprios privilégios. O que então, todas as mulheres negras, que também merecem, não fizeram para merecer? Por que elas não estão aí?"

A presença de uma mulher negra no comando de uma federação de futebol pode ser considerado um exemplo para as meninas negras que almejam o mesmo. Pellê é inspiração para milhares de "Natálias" desse país. “Quando a gente nasce mulher e negra, a gente já nasce lutando pra viver, sobreviver e existir. Então desistir não é uma escolha.”

Natalia Andrade em cobertura jornalística
              Natalia Andrade em cobertura de um jogo de futebol                                 feminino, em Minas Gerais. (Foto: Arquivo Pessoal)

 


 

 

 

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