No dia 6 de junho deste ano, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) suspendeu o show do cantor sertanejo Gusttavo Lima na 16º Festa da Banana, sediado na cidade de Teolândia (BA). O motivo da ação orquestrada pelo presidente do STJ, Humberto Martins, foi a baixa receita do município em relação ao preço do evento, que excedia em 40% o valor investido no setor de saúde.
Sobre o ocorrido, Renato Eliseu Costa, professor e coordenador executivo da especialização em administração pública e gestão governamental da EACH-USP, diz que a instituição "está extrapolando qualquer razoabilidade e qualquer moralidade quando faz um contrato desse tipo; não é que há um impedimento para fazer shows, mas eles têm que fazer um show que corresponda à realidade daquele município”.
Outra polêmica envolvendo o cantor ocorreu na cidade de Conceição do Mato Dentro (MG), na 32º Cavalgada do Jubileu, em que a prefeitura usou a verba destinada para saúde, educação , meio-ambiente e infraestrutura para pagar o cachê de 1,2 milhões de reais de Gusttavo. Em resposta, o município alegou ter usado o tributo dos mineradores, CFEM, e que não há restrições quanto ao uso da verba em eventos. Em contradição com a resposta da prefeitura, o portal da Agência Nacional de Mineração publicou o destino do dinheiro para os setores citados.
O professor explica que o financiamento da cultura no Brasil é apoiado de dois modos, via renúncia fiscal, que são regidos pela lei federal de incentivo à cultura, a lei Rouanet e a audiovisual, em que um empresário faz um aporte de recursos e recebe benefícios, como por exemplo, um abate no imposto de renda. Nessa via, os projetos são aprovados pela pasta da Secretaria Especial da Cultura e seguem normas de critérios de recomendação. Outra possível via é chamada de financiamento direto, em que a Secretaria de Cultura do município utiliza de seu próprio recurso financeiro para arcar com o projeto artístico.
Em entrevista para o Fantástico, Anitta declarou que algumas prefeituras já ofereceram esquema de desvio de verba. "Eu já recebi propostas, eu e meu irmão [seu empresário]. 'Você cobra tanto, aí eu vou e pego um pedaço.' Eu falei não". O pronunciamento da artista gerou questões pertinentes sobre a postura dos municípios e dos cantores sertanejos.
No dia 13 de maio deste ano, no município de Sorriso, em Mato Grosso, Zé Neto (da dupla Zé Neto & Cristiano) criticou a Lei Rouanet e a cantora. “Nós somos artistas que não dependemos de Lei Rouanet. Nosso cachê quem paga é o povo”, disse Zé Neto, declarando, também, que não precisa de tatuagem na região íntima para fazer sucesso, se referindo a Anitta. O cachê do cantor custou 400 mil para que ele integrasse a grade de programação cultural da festa de 36 anos do município de Sorriso.
O discurso do sertanejo desencadeou uma sequência de discussões em torno dos pagamentos de cantores sertanejos renomados, e o assunto logo entrou em alta nas redes sociais como "#CPIdoSertanejo". Como consequência desse cenário, no dia 8 de junho, a Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados aprovou a proposta de realização de uma audiência, com a finalidade de esclarecer o financiamento público de atividades artísticas no Brasil. O Ministério Público está investigando 24 prefeituras: Gaúcha do Norte, Sorriso, Porto Alegre do Norte, Figueirópolis D’Oeste, Nortelândia, Salto do Céu, Alto Taquari, Novo São Joaquim, Nova Mutum, Sapezal, Canarana, Acorizal, Brasnorte, Água Boa, São José do Xingu, Vera, Barra do Garças, Juína, Querência, Bom Jesus do Araguaia, Santa Carmem, Matupá, Nova Canaã do Norte e Novo Horizonte do Norte.
O método de financiamento direto, utilizado pelos sertanejos, é mais propício para desvios públicos, segundo o coordenador Renato Eliseu. Ele diz que, ao contrário da lei Rouanet, a qual passa por duas prestações de contas, o financiamento passa apenas por uma, sendo suscetível a erros. "Em casos como esses shows de grande dispensas, a prefeitura alega e faz o uso da dispensa da licitação, alegando a especificidade daquele show." A especificidade pode ser alegada quando não há uma atração semelhante àquela, e a ação de dispensa da licitação por esse motivo é garantida pela Lei nº 8.666/93.
O especialista traz, também, o conceito de desvio de verba pública. “Não é só aquele recurso que acaba parando na conta de uma pessoa física ou jurídica, o desvio de verba pública é todo aquele recurso não utilizado”. Além disso, acrescenta que o desvio pode ocorrer "desde a construção inadequada do processo de licitação, uma contratação errônea, um pagamento excessivo até a não prestação de contas como determina a lei", não tendo um lugar específico. A pena para esse crime, como prevista na Lei nº 8.429 sobre improbidade administrativa, é de 2 a 12 anos, além do pagamento de multa.