As sacolas que entram nas casas, carregadas sob duas rodas e uma mochila, alimentando as famílias nas noites de preguiça, as vezes saudáveis, às vezes não tanto, entregues por um trabalhador que irá passar mais o resto da noite na rua para conseguir o suficiente para se alimentar no final do mês.
Desde a reforma trabalhista do governo Temer em 2017, diminuição dos empregos assalariados com carteira assinada se instaura cada vez mais no cotidiano, e uma forma de “capitalismo criativo” se instaurou na base econômica do país, criando assim uma ruptura ainda mais vasta entre as condições dos empresários do Vale do Silício e os entregadores que compõe toda a força proletária do modelo tecnológico, denominados como empreendedores perante a lei.
Como apontado pelo advogado Antônio Vicente Martin para Carta Capital, a reforma marginaliza a massa para um ambiente de trabalho dominado pelo mercado de aplicativos cujos não possuem legislações para os proteger, sem um mínimo de garantia oferecida pelas corporações, e devido a desvinculação das mesmas perante o estado, uma disparidade começa a emergir “[...] o trabalhador que está desempregado, ou no subemprego, trabalhando como Uber, quando ficar doente, vai ter atendimento por parte do Estado, apesar de não ter feito nenhum tipo de contribuição para esse atendimento. E a empresa a qual ele está vinculado, também não fez nenhum tipo de contribuição, ou seja, é uma situação dramática a curto e médio prazo”.
Portanto, com este cenário a vista, uma revolta se torna inevitável e uma mobilização dos entregadores, reivindicando seus direitos desde meados de 2020 com o aumento exponencial do mercado de venda por aplicativos, tendo um aumento significativo de pedidos perante a pandemia e sem um reajuste de pagamento digno para quem fazia tudo isso possível.
Surge em meio do furacão um movimento sindicalista de união dos motoqueiros, com seu personagem mais reconhecível sendo o Paulo Lima ‘Galo’, líder do movimento Entregadores Antifascistas, vem fazendo fronte reivindicando direitos aos trabalhadores tais quais ele, que passam 16 horas por dia na rua para ter o suficiente para se alimentar e sem direito a uma carteira assinada.
No dia 2 de abril deste ano foi feito um reajuste de R$5,51 para R$6,00 como o novo piso por rota e com o quilometro rodado aumentando de R$1,00 para R$1,50, porém não chega perto de ser o suficiente. Com o aumento drástico do preço da gasolina, o piso que seria o aceitável, como aponta os próprios entregadores, seria de R$8,00, caso contrário eles quase saem no prejuízo. Em contrapartida, o iFood afirma que este é o terceiro reajuste em 12 meses.
No dia anterior, dia 1, ocorreu um “apagão dos aplicativos” como realizado nos demais anos, uma forma de greve organizada através das mídias sociais e mobilizando as pessoas a não pedirem comida pelo aplicativo no dia para paralisá-lo. Todavia, esta mobilização foi a mais fraca como apontada pelo Galo em live nas mídias sociais, com pouca adesão e pouco barulho.
Um fator contribuinte para este ocorrido pode ser o que foi levantado pela reportagem da Agência Pública cuja traz à tona toda a campanha de desmoralização dos movimentos unificantes dos entregadores financiado pelo próprio iFood e realizada pela empresa de marketing SQi.
A reforma trabalhista, com suas promessas da melhora de relações de trabalho entre empregador e empregado e com seus ideais neoliberais em seu coração, conseguiu realizar o feito de colocar 66 mil pessoas na rua na grande capital econômica São Paulo, as sementes do cenário atual em que o Brasil se encontra foi plantada nesta reforma e os frutos estão sendo colhidos agora, com o processo sendo agilizado com a pandemia. Os entregadores são apenas um dos vários personagens, que apontam de forma mais gritante os problemas desta reforma.
Se nada for conquistado por eles, dificilmente será conquistado por outra categoria.