Precarização do trabalho se acirra na quarentena

De acordo com especialistas, medidas do governo favorecem empresários e deixam trabalhadores mais vulneráveis
por
Beatriz de Oliveira
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26/06/2020 - 12h

Neste momento, não é possível saber o quanto do aprofundamento da precarização do trabalho é pelos percalços da pandemia e o quanto é pelo aproveitamento da situação por parte dos empresários. É o que afirma o economista Mário Theodoro, especialista em mercado de trabalho e ex-consultor legislativo do Senado Federal.

Mário Theodoro. Por: Wellington Santos/ Sindicato dos Comerciários
Mário Theodoro. Por: Wellington Santos/ Sindicato dos Comerciários

“Afrouxar a proteção ao trabalhador na hora em que mais precisa de proteção é lamentável”, diz Theodoro, que aponta “uma falta de perspectiva de coletividade, em que as pessoas só pensam no que é melhor para elas”. Referindo-se à diminuição de salários e direitos, o economista critica sobretudo o empresariado, que, segundo ele, “só está pensando no seu lucro”.

No dia 16 de junho, foi aprovada pelo Senado a Medida Provisória (MP) 936. A medida foi editada em 1° de abril e permitiu redução de salários e contratos por dois e três meses, respectivamente. A redução de remuneração era acompanhada proporcionalmente pela diminuição de jornada de trabalho, podendo ser de 25%, 50% ou 70%. Com o aval unânime do Senado, o governo pode prorrogar os prazos. 

Poucos dias antes da MP 936, foi editada a de número 927, que permite a facilitação do teletrabalho, a antecipação de férias individuais, a concessão de férias coletivas, a reorganização do banco de horas e a suspensão temporária do recolhimento do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço). 

Segundo a advogada de direito trabalhista e sindical Francine Cadó, membro do Instituto Declatra (articulação em torno dos direitos do trabalho), apesar de as MPs serem promulgadas com a bandeira de manutenção de empregos, elas cobram muito mais o empregado do que o empregador. Ela salienta também a demora de formulações de ações; deputados e governadores ficaram em suspenso, “esperando uma diretriz do Executivo, e essa diretriz não veio”. 
 

Francine Cadó. Acervo Pessoal
Francine Cadó. Acervo Pessoal

Outro ponto é a possibilidade de acordos individuais em alguns casos, contando apenas com a notificação para os sindicatos. Cadó diz que há “uma série de ataques ao sindicalismo em geral, o que não é de hoje” e que a medida busca afastar os sindicatos dos trabalhadores num momento de fragilidade. 

Segundo a advogada, os sindicatos estão atuantes durante a pandemia, e usam as redes sociais como aliadas nesse contexto de distanciamento social. Mas esse meio vem perdendo espaço desde a aprovação da reforma trabalhista em 2017, que aboliu a obrigatoriedade da contribuição sindical. “Alguns sindicatos que a gente tem conhecimento aqui [em MG], como foi o sindicato dos jornalistas, a situação econômica deles piorou muito e consequentemente todos os serviços que eles podem oferecer para os filiados." 

A reforma trabalhista sancionada durante o governo de Michel Temer modificou regras para itens como remuneração, tempo na empresa, horário de descanso e transporte. Theodoro diz que a reforma reduziu a capacidade de negociação dos trabalhadores e que aproximou o trabalhador formal do informal. Ele afirma que “o mercado formal, bem ou mal, já tinha uma certa condição de proteção social” com o sistema previdenciário e seguro-desemprego, por exemplo. “O que acontece é que há dois anos eles começaram a destruir isso.” 

Para os informais, continua Theodoro, já não havia direitos garantidos. Segundo ele, o que se vê atualmente é que “ao invés de igualar chamando o informal para ter alguma coisa, se desestrutura o formal e [se] iguala os dois por baixo, ou seja, igualando os dois pela falta de direitos e pela precariedade”. 

O número de desempregados tem aumentado durante a pandemia. Segundo a pesquisa Pnad Covid-19, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de trabalhadores desempregados subiu 10,8% no mês de maio. Na última semana do mês, eram 28,5 milhões de desocupados. 

A crise aumenta a quantidade de pessoas se submetendo a trabalhos precarizados, como entregadores de aplicativo, que lidam com a desobrigação das empresas em garantir direitos, visto que não há configuração de vínculo empregatício. De acordo com o SindimotoSP (Sindicato dos Mensageiros Motociclistas, Ciclistas e Mototaxistas Intermunicipal do Estado de São Paulo), o número de entregadores na capital paulista e Grande São Paulo aumentou 20% desde o início da pandemia. 

 Alexandre Fukugava/Pixabay
Entregadores de aplicativo são alvos de precarização e se expõem na pandemia. Por: Alexandre Fukugava/Pixabay 

Para quem não foi demitido nem teve o contrato suspenso, o home office pode ter sido adotado durante a situação pandêmica. São 8,8 milhões em regime de teletrabalho, segundo a Pnad Covid 19. Francine Cadó afirma que essa modalidade é uma tendência mundial e que pode favorecer alguns setores, mas “é inegável que, nos moldes em que ele vem acontecendo, o trabalhador fica bastante desprotegido”. Ela alerta para a difícil fiscalização da jornada de trabalho e para o montante excessivo de demandas repassadas ao empregado. Cadó recomenda que em caso de abuso o trabalhador faça contato com advogado trabalhista ou com o sindicato, e tente reunir provas, como email e prints da tela do computador, que mostrem a realização de atividades extrajornada. 

Mário Theodoro elucida que de um lado o teletrabalho poupa o empregador no que tange às instalações oferecidas, e de outro destina mais responsabilidades ao empregado, o que na prática faz com que trabalhe mais. “O que poderia ser uma boa ideia, e na Europa foi uma boa ideia para flexibilizar positivamente e para dar mais tempo para o trabalhador ficar com sua família, no caso do Brasil está virando uma superexploração”, diz ele, acrescentando que, pela crise de empregos que o país vive, as pessoas se veem obrigadas a aceitar situações de trabalho precárias. 

Nota-se ainda a situação preocupante das pequenas e médias empresas. O economista fala que essas empresas não têm recebido apoio estatal e as linhas de crédito anunciadas são malsucedidas, em parte porque bancos privados se recusam a emprestar para pequenos negócios. Afirma ainda que são elas que sustentam grande parte dos empregos. Segundo dados do Sebrae-SP, 49% dos trabalhadores formais do estado estão nas pequenas empresas.