Por trás das cortinas digitais

Artistas e estudantes contam sobre as dificuldades coletivas e individuais que a pandemia trouxe para o desenvolvimento de peças teatrais.
por
Julia Silva Tavares e Vitória Nunes de Jesus
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17/11/2021 - 12h

É de conhecimento da população que setores da saúde e comércios sofreram com a chegada da pandemia, porém há outro setor com grande importância para a sociedade, que foi bastante afetado, o Teatro.

Espetáculos foram cancelados e muitos que trabalham na área ficaram desempregados. A atriz e cantora Elisabete Almeida relata a realidade de um colega e menciona o descaso dos governos com os artistas: “Recentemente, fiquei sabendo que um grande amigo e colega que conheci na época em que eu morava na Alemanha, estava trabalhando de carregador de mudança. Apesar de ser um trabalho digno, o que revolta é saber que situações como essas são frutos da desvalorização da arte pelos governos, pois as pessoas acham que o artista tem de trabalhar de graça. Muitas pessoas que eu conheço que trabalharam em musicais grandes como O Fantasma da Ópera, no qual também fiz parte, estão vendendo doces na rua ou sendo motoristas de aplicativo. A atriz ainda lembra que muitos de seus colegas, além de sofrerem com o desemprego, lidam com a falta de um plano de saúde, que durante a pandemia, se torna algo essencial: “o artista brasileiro vive em uma situação vulnerável. Muitos dos meus colegas não têm plano de saúde, e isso dificulta ainda mais a situação”.

Elisabete Almeida. Foto: arquivo pessoal.
Elisabete Almeida. Foto: arquivo pessoal.

            Além dos artistas, o teatro envolve outros profissionais que ficam nos bastidores e que são de igual importância e também enfrentam dificuldades causadas pela pandemia. O cantor e ator Thiago Arancam lembra: “na pandemia, as dificuldades foram enormes. A principal foi a parte econômica, porque não é só o artista que depende da carreira, é uma equipe inteira”.

As formas de obter conhecimento são diversas. Elisabete menciona que ao assistir uma peça, se aprende sem perceber: “É necessário ressignificar o papel que a cultura possui de mudar o pensamento das pessoas. A Arte tem a capacidade de educar sem a pessoa perceber”.

Elenco O Fantasma da Ópera no Brasil, 2019. Elisabete Almeida (mulher ruiva com coroa, ao fundo da foto). Thiago Arancam (primeiro homem à esquerda). https://images.app.goo.gl/Jr45Tqau8i5Lh8tm9
Elenco O Fantasma da Ópera no Brasil, 2019. Elisabete Almeida (mulher ruiva com coroa, ao fundo da foto). Thiago Arancam (primeiro homem à esquerda). https://images.app.goo.gl/Jr45Tqau8i5Lh8tm9

Além de ajudar no aprendizado, o teatro amplia as percepções de oportunidades profissionais, ajuda a se expressar e se relacionar, fazendo pessoas vencerem a timidez. O artista musical Roberto Srgentelli Filho, mais conhecido como Beto Sargentelli, é um exemplo de como vencer a timidez: “cresci em uma família de músicos e atores, porém eu era muito tímido. Fiz meu primeiro trabalho aos 12 anos, em uma propaganda, mas eu negava o acontecimento para os meus colegas na escola porque eu era tímido. Minha mãe insistiu muito para eu começar a fazer aulas de teatro para diminuir a timidez. Depois que iniciei as aulas, me apaixonei perdidamente pelo Teatro, nunca mais saí ou me imaginei fazendo outra coisa”.

O principal para um artista em uma apresentação, é o público e o ambiente. Beto Sargentelli lembra: “as apresentações presenciais são especiais pela troca entre a plateia e o palco. O ator consegue sentir o ritmo do espetáculo de acordo com a energia e as reações da plateia”. Bete Almeida frisa no espaço teatral: “Depois do público, o mais importante é o ambiente do teatro, que é lindo e vivo. Um palco teatral tem um tipo de luz e atmosfera que um estúdio ou uma sala não tem”.

Beto Sargentelli em The Last 5 Years Brazil. Foto: arquivo pessoal.
Beto Sargentelli em The Last 5 Years Brazil. Foto: arquivo pessoal.

É necessário mencionar os estudantes que teriam suas primeiras oportunidades de pisar em um palco e se apresentarem, mas esta experiência precisou ser adiada por conta do isolamento social. O estudante de Artes Cênicas, Gustavo Brait chama a atenção para este ponto de vista: “Eu sabia que as apresentações iam ser canceladas e isso deixou uma tristeza muito grande, em relação às minhas apresentações, fiquei muito triste também, principalmente porque seria a primeira vez que eu ia pisar no palco depois de dois anos”.

Muitos artistas migraram para o online e logo de cara já enfrentaram a primeira dificuldade, como conta Brait: “No espetáculo online o ator faz não só o trabalho dele, mas também o de diretor, cenógrafo, figurinista, maquiador, técnico de luz e microfone. O ator tem que assumir todas essas funções e ficar muito mais atento, coisa que no espetáculo presencial não acontece”.

As apresentações virtuais requerem exigências, como boa internet, câmeras de qualidade, microfones que possam captar todo o som, requer também aprofundamento nos conhecimentos das áreas da tecnologia, como aponta a estudante de dança, Letícia Almeida: “começar a entender e se aprofundar nos aspectos da tecnologia foi fundamental para entender as ferramentas que seriam usadas nos espetáculos dali para frente” e mostra que o online tem particularidades “o palco é tridimensional, a tela é bidimensional, essa diferença foi uma das mais difíceis de se adaptar. Tem que tomar cuidado com o que as pessoas estão vendo, o recorte da câmera. Antes do olho que vê o espetáculo tem o olho da câmera, é possível usar isso como ferramenta, colocar fitas que mudam o vídeo de cor, ou que fecham a amplitude da câmera.”

Peça Chicago: O Musical, exclusivamente online, personagem Billy Flynn, por Gustavo Brait. Foto: arquivo pessoal.
Peça Chicago: O Musical, exclusivamente online, personagem Billy Flynn, por Gustavo Brait. Foto: arquivo pessoal.

          Diante desses apontamentos, é possível concluir que assim como outros setores, o teatro enfrentou dificuldades durante a pandemia. Mas como a maioria das áreas, é possível se recuperar. Vale ressaltar a importância desta arte para a formação da personalidade. Não é só o ator que se prejudicou nos tempos do coronavírus, a equipe por trás dos palcos também. Assim como grande parte da população, os artistas se adaptaram as telas, mas este recurso não traz toda a beleza de uma peça teatral.

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