A Pichação Enquanto Manifesto Político

Como uma das formas mais marginalizadas de arte vem se tornando um ato de protesto em meio ao caos
por
Lucas Santoro Galvani
Matheus Pogiolli
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18/11/2022 - 12h

O documentário “Pixo” (2010), de João Wainer e Roberto T. Oliveira, levanta a discussão se a pichação é arte ou um ato de vandalismo. Com um olhar profundo acerca do tema e um trabalho cinematográfico excepcional, o filme consegue evidenciar o grande teor artístico no picho e, para muito além disso, como ele é uma grande forma de protesto. Muitos dizem que a arte é de fato feita para incomodar, intervir em algo, “cutucar” ou manifestar, e pichação certamente consegue fazer isso. Não à toa, ela é proibida por lei e demonizada por uma boa parcela da população brasileira.

 

O picho (ou pixo) é o principal recurso das pessoas, estruturalmente marginalizadas, de “cutucarem” governos ou reivindicar uma mudança no sistema. Dificilmente uma escola pública da periferia oferece uma bagagem artística suficiente para que os jovens detenham do conhecimento do quanto uma obra (seja ela erudita ou não) pode impactar na sociedade. Porém, por meio de influências de seu próprio ambiente de criação, enxergam na pixação a melhor maneira de serem atores políticos, e não meras marionetes de um sistema que não lhes traz benefícios. Por meio de poesias, símbolos criptografados em um idioma em que apenas quem está incluso neste meio entende, desenhos e críticas ásperas ao regime, assim se é feita a mudança, nem que sutilmente.


Entrevistamos Gabriel Mazotti, filósofo, jornalista (criador do portal “Facção Libertária”) e pichador convicto. Segundo ele, a principal diferença entre o grafite, aceito e celebrado pela sociedade, da pichação, é o fato do grafite ter um teor mais artístico, enquanto o picho é visto como algo “sujo”. “No caso da pichação, ela é mais uma forma de resistência contra os que querem oprimir os pichadores e também passar uma crítica através das escritas”, afirma o filósofo.

Gabriel Mazotti durante Slam de Poesia.


Gabriel, quando questionado sobre a influência da política no picho, e vice-versa, pontua que “desde a época do “#ForaTemer”, os pichadores, em sua maioria, são de esquerda”, e complementa dizendo que “(o ato) vai contra a propriedade privada e afeta a parte política”. De fato, a principal crítica do picho, mesmo que feita de maneira inconsciente, é em relação ao conceito de propriedade privada, quase que de forma literal.

 

Para o jovem, a pichação é tão impactante como qualquer outra forma de expressão artística, tendo como traço mais característico o fato de ser uma arte “dos pobres”, tornando-a, paradoxalmente (por ser uma ramificação urbanizada das artes plásticas), “menos visível”.


“O pixo é a arte de rua”, reitera Gabriel, “mas, ainda assim, tem o poder de influência, justamente por representar um povo oprimido e que não é notado pelos ‘homens de terno’”, complementa. É certo que, sendo considerado um ato de vandalismo (legislativamente ou popularmente) é indiscutível o papel político da pichação, seja enquanto a maneira de se expressar de uma grande maioria deixada de lado pelo sistema capitalista, ou seja enquanto um ator político sorrateiramente efetivo. De qualquer forma, é indubitável que este ato pode vir a representar muito mais uma grande parcela dos brasileiros, do que a arte erudita ou, até mesmo, discursos de políticos, independente do viés ideológico dele.


Acerca das eleições emblemáticas de 2022, Mazotti acredita que, de forma indireta (ou sútil) as pichações podem ter contribuído para a derrota do atual presidente Jair Bolsonaro (PL). Não apenas pelas severas críticas ao atual governo espalhadas pelos muros da cidade, mas como os pichadores, enquanto coletividade, se alinharam ao antifascismo e influenciaram os eleitores indecisos a não anularem seus votos.