Pessoas negras têm muito para contar, além de massacre e genocídio

Atriz Maria Clara Medeiros defende a representatividade na próxima edição do Oscar, que vai incluir cotas raciais
por
Isabela Gama Figueroa
Rafael Duarte Casemiro
Letícia Coimbra
Bruna Zanella
|
30/09/2021 - 12h

Após os protestos “Black Lives Matter” ou “Vidas Negras Importam” a presença dos negros na sociedade foi demandada de forma incisiva. Questões como “Onde estão os negros nos nichos que eu consumo?” tomaram conta das redes sociais. A partir disso o debate sobre representatividade negra tomou conta do audiovisual, inclusive a maior premiação do cinema mundial, o Oscar, estabeleceu um sistema de cotas que entrará em vigor em 2022, 94° edição. “A partir do momento que elas são implantadas, já é um primeiro passo para assumir a escassez daquela representatividade identitária nesses espaços”, comemora a atriz, escritora e performer, Maria Clara Medeiros. 

A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, responsável pela premiação, anunciou em 2021 um novo sistema de inclusão de artistas e produtores. As obras que desejarem concorrer à categoria de melhor filme devem seguir pelo menos dois dos quatro critérios propostos pela academia. A seleção de atores e atrizes de grupos étnicos sub-representados para papéis de destaque é uma das novas medidas propostas pela organização da premiação. Outra possibilidade de inclusão de minorias é ter ao menos dois cargos na produção para estas pessoas, além da oferta de vagas para estagiários pertencentes a parcelas étnicas desfavorecidas. A representatividade durante o marketing e promoção dos longas também é uma possibilidade sugerida pela academia.   

Para a produção, a atriz explica que três perguntas devem ser feitas: “Quem está contando a história? Como está sendo contada? Como estão sendo levados esses corpos?” Ela ressalta a necessidade de haver roteiristas negros e de diversos gêneros “para que as visões e o próprio casting dos atores sejam amplos e considerem também a pluralidade das pessoas negras, porque a gente não é uno, a gente é plural”. Segundo apontou a pesquisa “Hollywood Diversity Report (Relatório de Diversidade em Hollywood)” realizada pela Universidade da Califórnia, apenas 9% do elenco dos longa-metragem é composto por pessoas negras, e apenas ¼ são mulheres.  

De acordo com Medeiros, a primeira vez que se sentiu representada enquanto mulher negra foi assistindo ao seriado “As Visões da Raven”: "Uma mulher ali negra, gorda, com fenótipos bem acentuados e personalidade divertida, ela foi uma personagem construída de forma bela, não era a garotinha insegura”. Para ela, as pessoas negras têm muito além de violência, sob uma perspectiva de massacre e genocídio, para contar. “É incrível ver pessoas negras sendo protagonistas de filmes excelentes e muito bem construídos, com profundidade, onde o tema central não é a violência que as pessoas negras sofrem pelo racismo, porque isso a gente já sabe, a gente sente todo dia”

  

Maria Clara Medeiros               Foto: Acervo Pessoal

“Porque quando a gente não se vê ali na imagem, a gente inconscientemente e conscientemente não tem noção do que pode ocupar”, ela afirma, ressaltando a importância da representatividade. A atriz reforça a ideia de que essa visibilidade influencia jovens negros a ingressar no audiovisual e que esse é um grande diferencial da próxima geração: “Quando a gente se vê, sabemos que existimos, e para nos vermos é necessário ter pessoas iguais a nós no cinema, nos lugares de poder, no teatro, na música.” 

Conforme dados divulgados em 2016 pela Agência Nacional do Cinema (Ancine), a participação de diretores e roteiristas negros nas produções, aumenta em 43,1% as chances de escalarem atores negros para os trabalhos. “Tem uma sensibilidade que só pessoas negras têm para escrever”, deste modo é possível compreender o sucesso dos filmes do cineasta norte americano Spike Lee, que faz questão de exaltar a cultura negra, assim como aponta a atriz.  

Já a estudante de direito e apresentadora do podcast  “È noiz”,  Sabina Calixto, conta que a representatividade muda a leitura racial e a formação de pessoas pretas. E ela completa que o assassinato do George Floyd escancarou essa questão: “Pessoas não negras começaram a consumir muito mais sobre conteúdos antirracismo, e também sobre a importância do movimento preto e da representatividade.”    

Sabina Calixto à esquerda entrevistando a vereadora do Psol Luana Alves, em seu podcast " É Noiz"      Foto: Reprodução de registro do vídeo LUANA ALVES - É NOIZ PODCAST #34

            

“A gente sabia falar sobre as coisas que não fossem só racismo, intolerância religiosa” diz Calixto. Ela destaca a origem do podcast e reforça que pessoas negras possuem voz para além da violência e da marginalização. “Não é para pessoas pretas ou LGBT, enfim, periféricas, ele é feito para dar voz para elas” fala a apresentadora sobre o seu público alvo, enfatizando que “uma mulher preta falando na mesa é extremamente importante e relevante”. 

Tags: