As ruas, avenidas e praças que cruzamos diariamente não são apenas caminhos, mas também registros históricos. Seus nomes, frequentemente memorando políticos, militares, religiosos ou escritores, carregam a tentativa de manter viva a memória de pessoas importantes. O que poucas pessoas sabem é que as principais ruas da cidade carregam nomes de famílias negras que ajudaram a moldar a história de São Paulo e do Brasil como um todo.

Historicamente, figuras negras de renome sofreram um processo de embranquecimento a fim de tentar esconder ao máximo sua conexão com a negritude. Quando essa estratégia não funciona, o apagamento entra. Por conta disso, essas homenagens nem sempre têm a visibilidade ou o reconhecimento merecidos. Portanto, relembrar essas histórias é um convite à memória, resistência e celebração das contribuições históricas de figuras negras que ajudaram a moldar o país.
Confira as principais ruas com nomes de pessoas negras na cidade e onde se localizam:
Rua Luiz Gama (Cambuci)
Luiz Gama foi um intelectual negro do século 19, jornalista e advogado autodidata. Ele conquistou sua própria liberdade e dedicou sua vida à defesa do fim da escravidão. Sua atuação foi essencial para libertar centenas de escravizados por vias legais.
Rua Cruz e Souza (Aclimação)
Inaugurada em 1936, essa rua homenageia o poeta Cruz e Souza, também chamado de Cisne Negro, por criar o movimento simbolista no Brasil do século XIX que que buscava expressar emoções e ideias abstratas por meio de imagens sugestivas e místicas. Filho de pessoas escravizadas, o autor deixou sua marca na literatura brasileira ao lançar obras que desafiaram as convenções de sua época.
Avenida Rebouças (Zona oeste)
O nome homenageia uma família negra de prestígio no século 19. O patriarca, Antônio Pereira Rebouças, foi conselheiro de Dom Pedro II. Seus filhos, André e Antônio Rebouças, se destacaram como engenheiros responsáveis por grandes obras de infraestrutura no país. Seus principais trabalhos foram o novo plano de abastecimento de água do Rio de Janeiro após a seca em 1870 e a estrada de ferro Curitiba-Paranaguá que liga a capital paranaense ao porto de Paranaguá.
Rua Teodoro Sampaio (Pinheiros)
Teodoro Sampaio foi engenheiro, geógrafo e historiador. Suas contribuições no mapeamento e na construção de obras públicas ajudaram a moldar o território brasileiro.
Avenida Mário de Andrade (Barra Funda)
Inaugurada em 1978, a avenida homenageia o poeta e escritor Mário de Andrade, figura central do modernismo brasileiro e defensor da diversidade cultural e racial do país.
Rua Machado de Assis (Vila Mariana)
Desde 1912, essa rua leva o nome de Machado de Assis, um dos maiores escritores brasileiros. Fundador da Academia Brasileira de Letras, ele foi pioneiro ao explorar temas raciais, sociais e psicológicos em suas obras.
Entretanto, esses nomes ainda são exceções em uma cidade onde a maioria das homenagens em ruas é destinada a pessoas brancas. Pressionar por mais representatividade nas nomenclaturas urbanas é uma maneira de manter viva a memória de heróis negros e negras, ampliando sua visibilidade e reconhecimento.
Recentemente, debates sobre questões raciais no espaço público ganharam força, como a polêmica envolvendo as luminárias do bairro da Liberdade, reacendendo discussões sobre a valorização da história afro-brasileira.

A identidade do bairro foi moldada, com forte ênfase na cultura japonesa desde os anos 1970, enquanto sua história negra foi sendo aos poucos ofuscada. O bairro, que já abrigou uma significativa população negra e foi palco de importantes eventos históricos, como por exemplo execuções públicas de escravizados, viu sua memória alterada pela instalação dessas luminárias e apagamento de símbolos de herança afro-brasileira. O debate recente destaca a necessidade de valorizar e lembrar essa parte da história, ao invés de apagá-la ou tentar escondê-la com outras questões.
Homenagens como essas dadas a pessoas negras em vias e ruas importantes da cidade ajudam a construir uma metrópole mais inclusiva e consciente de sua diversidade histórica.