Parkour: Um salto entre esporte e estilo de vida

Pierre Picasso conta sobre a sua história no parkour e questiona o comodismo da sociedade
por
Rafaela Soares
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07/07/2020 - 12h
Créditos ao fotógrafo Cadu Andrade
                                                                  Créditos ao fotógrafo Cadu Andrade.

 

O praticante de parkour e protagonista da foto acima, Pierre Picasso, conta sobre a sua trajetória no esporte e sobre o estilo de vida que o mesmo requer. Confira abaixo a entrevista.

Você é do Rio mesmo? Quantos anos você tem?
Sou sim. Tenho 20 anos.  

Qual a sua altura? 
1,90 cm.

Qual a sua profissão?
Eu sou modelo, mas não é esse meu ganha pão. 

Com quantos anos começou a praticar o parkour e o que te motivou a isso?

Então, tudo começou quando eu tinha uns 12 anos e comecei a andar de skate. Fazia Down Hill e comecei a ter esse estilo de vida de buscar evolução, de estar sempre querendo me auto superar em algum meio. Só que aí essa prática do skate começou a enfraquecer, a galera que participava foi pra faculdade, mudou de cidade… Além do skate eu surfava também, até que um dia eu tava num bar com um amigo e do nada ele fez um mortal. Eu fiquei meio chocado, porque do nada ele foi lá e só deu um mortal. Aí eu fui conversar com ele, nessa época eu tava com 17 anos, e ele disse pra eu ir treinar com ele numa academia no Botafogo. Foi aí que eu comecei a praticar o esporte. 

 

E como foi esse começo? Como é uma aula de parkour?

Então, quando eu cheguei nessa academia eu esperava que o professor fosse passar o que a gente tinha que fazer, mas não foi nada disso. Eram pessoas praticando no local só. Eu cheguei, fiquei observando e esperando a aula começar. Eu demorei umas duas aulas pra entender o que era pra fazer, que era basicamente olhar e tentar reproduzir os movimentos que te interessam. Todo mundo ensina todo mundo, todo mundo é professor, vê você fazendo algo e chega junto pra dar um toque, pra te ajudar a aperfeiçoar o movimento. 

Mas existem escolas em que as aulas são naquele esquema mesmo do professor ensinar o movimento e pedir pra você reproduzir igual. E olha, sinceramente, o desenvolvimento dos caras que treinavam comigo no Botafogo, comparado com a galera que treinava nessa escola, era muito melhor. 

O que te motiva a praticar o parkour? Você tem alguma meta no momento?

Eu faço porque gosto mesmo. O processo em si é mais interessante que o resultado. Minha meta agora acho que seria achar um patrocinador. 

Vi no seu perfil do Instagram um desabafo sobre essa questão de patrocínio. Me explica melhor. 

Pra explicar isso tem que começar do começo. O parkour é underground! E o que é uma cultura underground? as pessoas só fazem porque gostam; não é moda. Mas a partir do momento em que o que é underground sobe, um mercado surge para isso. O rap é um exemplo! É muito fácil você ser comprado por patrocinadores. Dar o seu suor pros caras que não estão nem aí pra você. 

Uma analogia que acho que explica isso seria como quando os portugueses chegaram ao Brasil, por exemplo, e trocaram com os índios bugigangas pela riqueza do país. E quando você começa a ver pessoas aceitando qualquer mixaria, o mínimo do mínimo para ter um patrocinador, que não se importa com eles, que não se importa com o esporte, dá raiva. As pessoas tem que se revoltar, mas a maioria fica pianinho, com medo. 

O que seria um patrocinador ideal pra você?

Você diz pro atleta ou pra competição?

Pro atleta.

Por agora, eu não busco enriquecer com isso, pra mim seria bacana alguém que se importasse com o esporte e estivesse a fim de um esquema onde eu usasse uma roupa da marca da pessoa nas minhas práticas, algo assim. 

O que o parkour significa pra você?

Essa é uma pergunta difícil de responder, mas posso falar que cada um encontra o parkour de um jeito. É uma auto superação sem regras, não precisa nem de um pulo, pode ser um atalho pra ir na padaria. Quando você já está acostumado, você começa a fazer parkour sem perceber. 
É um esporte que ninguém consegue ensinar, você tem que aprender. Você tem que querer, você que tem que estabelecer seus objetivos e suas metas. O mérito é todo seu. 

Quando você está praticando parkour o que vem a sua cabeça? Do que você tem medo? 

Eu tenho medo do que eu não conheço muito, de fato. Se eu for dar um salto, por exemplo, eu tenho que saber qual é a superfície, porque o mármore, por exemplo, se está liso é perigoso de escorregar, tem que passar a mão lá, ter essa noção. 

Meu maior medo é me colocar numa posição que eu não conheço, pular numa laje que eu não sei se vai aguentar meu peso. Eu não me coloco em situações por estupidez. Eu sei o que eu posso fazer e o que eu não posso. Eu tenho essa consciência. Mas sempre há o medo de bater o joelho no muro, essas coisas. Tem que ter um desbloqueio mental. Conforme você vai crescendo, desbloqueando seu corpo, você vai ficando mais leve. É como se você tivesse numa dança, você só vai. 

O que você faz pra manter esse estilo de vida, esse desbloqueio mental? Você pratica meditação?

De vez em quando eu até medito, mas de rotina mesmo eu faço alongamento e treino físico. 

Você diria que para começar a praticar parkour a pessoa tem que ter uma elasticidade, uma certa força?

Já assistiu o filme “Ratatouille”? 

Já (risos)

Então, a mensagem do filme não é que qualquer um pode ser chef, mas que esse pode chegar de qualquer lugar. No parkour você não precisa de nada, você pode chegar com qualquer corpo físico, porque a própria prática do parkour vai te dar o fortalecimento necessário. Quando eu comecei, fiquei uns dias sem conseguir subir uma escada de tanta dor nas pernas, mas depois que meu corpo se fortaleceu, eu passei a conseguir fazer o mesmo movimento na segunda e na terça, o que eu não fazia antes de passar por esse processo de fortalecimento. 

Você tem alguma história interessante de algum rolê que você tenha dado praticando parkour?

Nossa, tenho várias. Vou contar uma, mas corro o risco de estar deixando outra bacana passar. Eu tava em São Paulo, treinando na Liberdade, e tava rolando umas rodas de capoeira, uma galera dançando, e quando eu comecei a praticar eles começaram a olhar. Daí eu queria pular ali da praça pra entrada do metrô. Metrô fazendo sempre uma arquitetura maneira, a culpa não é minha né? (risos) Aí eu ia pular numa superfície bem estreita e pular dessa pro chão. Pedi pra galera ali em volta filmar eu dar esse salto, e eles pediram pra quando eu voltar olhar pra câmera e falar “Não desista de você”. Até ai tranquilo. Fui, pulei e disse “não desista de você, brow” e a galera toda gritando. Só depois eu vi que tava rolando um movimento de prevenção ao suicídio e na parede que eu pulei tava escrito “não desista de você”. Foi irônico, né?! 

Agora sobre a foto polêmica, conta como foi esse processo, como você acabou dando aquele salto. 

Meu amigo é fotógrafo há algum tempo, ele é bom nisso. Ele me conheceu através de uma amiga, ele queria fazer umas fotos pra um projeto dele. A gente fez, aí eu chamei ele pra uns telhados aqui perto, fiz ele escalar comigo, fizemos umas fotos maneiras. Aí a gente tava conversando, já tava escurecendo e eu comentei que no metrô podíamos fazer umas fotos brabas. 

Daí a gente foi pra lá, estávamos vendo as possibilidades e eu disse que podia saltar de um lado pro outro da plataforma. Ele perguntou se eu tinha certeza, e eu disse que me garantia, mas que só podia rolar uma vez, porque os seguranças iam ficar de olho e a galera também ia ficar escaldada. 

Ele se ajeitou num lugar que ia dar um ângulo bom e eu disse que faria um sinal quando fosse pular. Desci. Esperei o metrô passar, achei um espaço bacana pra dar impulso, esperei o outro trem chegar perto e corri. Dei uns 3 ou 4 passos e pulei, e foi muito rápido, teve gente que nem viu. Daí quando eu chego do outro lado dou de cara com um segurança ajudando um homem cego. Aí não tinha muito o que fazer, tive que ir na salinha lá. Tinha uns 4 seguranças lá e só pela cara deles dava pra ver que eles também tinham achado maneiro, mas não podiam admitir. Eu disse que eu era profissional, que não fiz na loucura, e eles falaram que eu ia ter que dar meu nome pra eles terem registrado lá. Meti um caô, disse que tava sem minha identidade e dei um nome qualquer. Depois disso eles me expulsaram do metrô. Saí, encontrei meu amigo e ficamos olhando pra foto por uns 20 minutos. 

Chegando em casa, o meu amigo me ligou, disse que tinha conversado com uns amigos e que a foto era muito melhor do que a exposição pra onde ela iria. Isso foi em novembro de 2019, mas só agora na quarentena expusemos ela. 

O que essa foto representa pra você? Você não teve medo?

Não era uma hipótese pra mim errar isso. Se fosse, eu não faria. Se eu achasse que eu pudesse cair, eu não faria. Treino é treino, jogo é jogo. Aquilo ali foi jogo. É liberdade, aquilo foi liberdade, simplesmente chegar e poder fazer essas coisas. Se eu não vivesse da forma que eu vivo, eu não chegaria e faria isso. 

Eu saio da zona de conforto constantemente. A gente vive numa sociedade do medo, os pais passam isso pros filhos desde pequenos: “Não sobe aí que você pode cair e quebrar o braço”. Somos muito privados a descobrir o que podemos fazer, o que é perigoso de fato, e isso não é culpa nossa, a sociedade é assim. 
Pra sociedade, é muito mais fácil assim, ter esse controle. No psicológico das pessoas você constrói esse limite, tá todo muito preso nisso. 

Qual o cenário do parkour no Brasil? Você considera que esse esporte é valorizado?

O parkour chegou ao Brasil faz uns 15 anos, e ainda é muito marginalizado. Ultimamente o esporte tem ganhado fama por causa de memes, mas é um esporte ainda muito desconhecido, além do fato de que as escolas aqui do Brasil não incentivam os jovens nos esportes. Lá fora, nos Estados Unidos, por exemplo, as escolas têm ginásios, os alunos desde jovens aprendem e se desenvolvem muito mais do que aqui. Eles entram no parkour bem cedo e aprendem a fazer os movimentos por causa desse incentivo, dessa infraestrutura.  

Ah, importante dizer isso, que a única praticante profissional de parkour no Brasil é uma mina. Camila Stefaniu, o nome dela.  

Agora, pra finalizar, vou roubar aqui uma pergunta de um programa de entrevistas muito bom, “Provocações”, feito pelo Antônio Abujamra na Tv Cultura: Finge que essa matéria vai atingir milhões de pessoas. Sabendo disso, o que você diria? O que você gostaria de dizer pro mundo?  

Seja o protagonista da sua própria vida. Faça a sua história, não faça o que os outros pedem: “Você precisa estudar, casar, ter filho, você precisa estar na zona de conforto, não correr risco”. E quando você faz a sua história, você vai correr risco. Pra atingir o que tu quer, você vai correr risco. E é só uma busca, não dá pra alcançar. 
 

 

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