PAPO PRETO PUQUIANO

O cenário da comunidade negra na PUC-SP
por
Fernanda Querne
|
29/10/2022 - 12h

 

 

Pelos corredores da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), poucas pessoas andam com suas tranças nagôs. Na nécessaire básica da típica puquiana, não há um pente garfo para o seu crespo. Nem uma esponja nudred para texturizar o seu “short afro”. Tanto que, muitos leitores estão se sentindo perdidos com essas referências da comunidade negra - como se não fossem deste mundo. Esse é o sentimento dos estudantes pretos em ambientes majoritariamente brancos - não pertencimento. 

 

Há uma ausência em relação aos dados oficiais sobre como os negros se sentem na PUC-SP e até sobre a quantidade deles, bolsistas ou pagantes, em certos cursos. Para tentar saber mais sobre esses estudantes, a reportagem criou um formulário de preenchimento opcional que circulou nos grupos de mensagens puquianos. Quinze estudantes responderam a pesquisa. Eles participam do coletivo negro Saravá. As perguntas são de escala linear, indo do número 1 (de jeito nenhum) até o 5 (com certeza). Também é possível ver os gráficos circulares das respostas de múltipla escolha. 


 

REPRESENTAÇÃO

 

 

De acordo com a pesquisa, os alunos pretos que não se sentem representados pela PUC-SP, de jeito nenhum, totalizam 66,7%. Em entrevista à AGEMT, a estudante de Relações Internacionais, Júlia Medeiros, verbalizou as suas emoções: “Eu me sinto meio excluída e às vezes eu não consigo conversar”. A participante do Saravá evidenciou a dificuldade de discutir sobre questões íntimas raciais com os seus colegas: “Meus melhores amigos da PUC são brancos, não tem nenhuma pessoa preta. Às vezes, me sinto nessa solidão”. 

 

Porém, esse sentimento não é exclusivo de Júlia. A aluna de psicologia, Camilla Silva, explica como a falta de “hospitalidade” a sufocou, até perdendo a noção dos sentidos: “Quando eu cheguei, vi tanta gente branca que tive a sensação de tudo ser branco, as paredes e as árvores”. 

 

Já o professor da PUC, Amailton Azevedo, explicou o que é ser um docente negro: “Me sinto uma alma no exílio. A ausência da diversidade humana empobrece as relações, a produção do conhecimento e torna o ambiente acadêmico medíocre”. A quantidade de educadores pretos é muito pequena. Tanto que, ambas as entrevistadas nunca tiveram aulas com professores negros. A estudante de psicologia clama por aulas mais construtivas sobre paridade racial, menos teóricas: “Eu sou a única daquela sala que sofre por ser negra. O racismo não está distante, como falam. Ele está aqui e agora”. 

 

SOLIDÃO DA MULHER NEGRA 

 



 

As pretas sentem com certeza a solidão da mulher negra, e essas são ao todo: 72,7%. Esse sentimento é derivado das situações que as colocaram em segundo plano. Medeiros e Silva compartilham da mesma emoção. Júlia enfatiza o como o tratamento dos garotos com ela é diferente em comparação às meninas brancas: “Não me chamam para encontro, cinema ou até ir na casa deles. Normalmente, ficam comigo nas festas - sem compromisso”. Já Camilla, abordou a parte de ser uma mulher gorda preta: “Não me sinto bonita o suficiente. Para mim, ir em festas da PUC, só se for para beber. Se for para conhecer pessoas, no quesito sentimental, nem rola”.  

 

PRETOS BOLSISTAS


 




 

Segundo o Forms, mais da metade dos pretos bolsistas não se sentem representados de jeito nenhum. Medeiros, aluna pelo programa da Fundação de São Paulo (FUNDASP), denunciou o como o bandejão, aquele que estava fechado no começo do ano, é um das únicas iniciativas em prol dos bolsistas. Já a Camilla, ingressante pelo Programa Universidade Para Todos (Prouni), relembrou algumas políticas de auxílios que já estiveram presentes no campus: "Temos alimentação, não tenho o que reclamar, a comida é ótima. Porém, antes davam apoio com xerox, mas agora não”. 


 



 

Como é visto no gráfico, a maioria dos negros bolsistas (46,7%) são atendidos pelo Prouni. Enquanto a Fundasp totaliza 13,3%. Entretanto, de acordo com o site oficial da PUC-SP, a Fundação concede 30% das suas vagas de graduação para: negros, pardos e indígenas de baixa renda. Ainda é pertinente mencionar que os ingressantes do Fies não possuem a gratuidade do bandejão.

 

Em 2022, a Lei das Cotas fez dez anos. Determinando que as instituições federais de educação e universidades públicas reservassem 50% das vagas dos cursos e turnos para negros, pardos, indígenas e pessoas de baixa renda - estudantes de escolas públicas. Porém, algumas faculdades privadas agregaram esses valores, como é o caso da PUC-SP. 

 

Medeiros argumentou sobre a importância dessa lei para as pessoas pretas: “Agora, a gente tem uma comunidade preta, principalmente, nas faculdades públicas e tudo graças às cotas”. Convergindo com Júlia, a estudante de psicologia explica que essa norma dá um fôlego para os pretos alcançarem aqueles que já estão na frente. 

 

Já o professor Azevedo retratou os avanços dentro da Pontifícia em relação à política da paridade racial: “Implementação das cotas raciais na reserva das bolsas de estudo em toda a pós-graduação da PUC/SP. A determinação do consun, aprovada em maio de 2017, contribuiu para a permanência de alunos negros, indígenas e pobres na pós graduação”. 

 

O docente menciona que, em 2020, a PUC/SP, no âmbito de sua pro-reitoria comunitária e de cultura, aprovou a criação da biblioteca negra, favorecendo, a aquisição de títulos de autores negros/negras e aprovou a criação do selo 'autorias negras' que objetiva fomentar a publicação de suportes pretos. 

 

 A partir de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) - feitos pelo site Quero Bolsa - entre 2010 e 2019, o aumento dos negros no ensino superior foi de 400%. Entretanto, a comunidade preta só totaliza 38, 15%. Portanto, mesmo com esse enorme crescimento, não há paridade racial. Porém, ainda há estudantes que refutam a necessidade de cotas.

 

A Camilla já ouviu dos futuros psicólogos como não é preciso uma política de igualdade entre negros e brancos. Já a aluna de RI lembra que as vagas das cotas não são retiradas de brancos para dar a  negros. Cota não é privilégio, e sim reparação histórica”, diz Medeiros. 


 

LUTA ANTIRRACISTA 


 



As pessoas pretas negam a ideia dos brancos estarem ativos na luta antirracista. Será que postar um #BlackLivesMatter nas redes sociais, é o suficiente? Dizer que o Brasil é um país racista, é o suficiente ou o óbvio? Não existe o esquerdomacho? Então, há o aliado fake - o qual só opina quando é confortável e pertinente para sua imagem. Camilla diz o quanto é necessária a empatia dos brancos em relação às suas posições de privilégio: “Eles poderiam falar por mim, não porque eu não posso falar, mas porque não me escutam”. Júlia afirma que ninguém tomará as dores da comunidade. Logo, a criação do Saravá é para não roubarem as vozes da liberdade.