Pandemia escancara a desigualdade no ensino médio

A disparidade social e racial nunca ficou tão evidente como agora apontam profissionais da educação
por
Fernando Bocardo e Pedro Duarte
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10/09/2020 - 12h

         

sala de aula
Sala de aula vazia: aulas presenciais estão proibidas desde março,  por conta da pandemia do novo coronavírus (Foto: Fábio Vicentini)

            A pandemia escancarou a desigualdade que existe, tanto em relação à infraestrutura quanto em relação aos professores. A qualidade é precária e tem a ver com vários fatores. Colocaria a questão estrutural, e ela é ratificada pelas instituições brasileiras”, afirmou Francisco Gonçalves, docente da rede particular na cidade de São Paulo.

Desde o início da pandemia, mais de 47 milhões de alunos brasileiros deixaram de frequentar a escola presencialmente, de acordo com estimativa do coordenador de desenvolvimento humano do Banco Mundial para o Brasil, Pablo Acosta.

Em situação ainda mais precária, estão estudantes negros e periféricos que, mesmo em um cenário pré-pandemia, já enfrentavam diversos obstáculos para alcançar o acesso à educação de qualidade. Segundo dados do Instituto Unibanco, cerca de 67% dos jovens negros de 7 a 25 anos estão na rede pública de ensino, enquanto apenas 13% estão na rede privada. Já 5.400.000 jovens negros sequer estudam. 

            A disparidade entre a rede pública e privada de ensino fica ainda mais evidente no contexto do ensino virtual, em um país onde 58% dos domicílios não têm acesso a computadores e 33% não têm acesso à internet, segundo dados do Comitê Gestor da Internet no Brasil coletados em 2018.

Francisco, que teve sua formação acadêmica completa na rede pública, resume: “A questão deve ser analisada a partir de três principais vieses. O primeiro é o próprio aluno e suas dificuldades de acesso à internet, computador ou até mesmo um celular. O segundo é a falta de preparo dos professores, a maioria esmagadora não foi treinada para dar aulas online, enquanto os da rede privada estão mais familiarizados com o método. Por último, destaco o fato de a escola pública ser um espaço em que a formação do professor não é valorizada.” Para Gonçalves, a profissão exige um constante aperfeiçoamento que não é incentivado na rede pública.

Francisco Gonçalves, docente da rede particular
Francisco Gonçalves, docente da rede particular (Foto:acervo pessoal)

A disparidade no acesso à educação, acentuada pela pandemia da Covid-19, tem graves impactos no ingresso do jovem negro e periférico na universidade. Para Dennis de Oliveira, professor de Comunicação da USP e pesquisador do Núcleo de Estudos Interdisciplinares do Negro Brasileiro (NEINB), “a estrutura não é só acesso à internet, mas ter um espaço para estudar”.

Os problemas de infraestrutura, no entanto, não são exclusivos do ambiente doméstico. A própria universidade impõe obstáculos ao universitário negro e periférico. Segundo Oliveira, a USP é “pouco acolhedora para o [universitário] trabalhador”: bibliotecas e restaurantes fecham cedo, o transporte no período noturno é deficitário e a cidade universitária tem infraestrutura ruim.

Além disso, o professor apontou problemas na política de cotas implantada na USP em 2016. Resultado de intensa mobilização estudantil, a USP foi uma das últimas universidades estaduais a adotar o sistema de cotas como meio de ingresso. Ainda hoje, há resistência por parte da reitoria na instituição de uma comissão para verificar e coibir fraudes nas cotas.

 

O professor da USP, Dennis de Oliveira
O professor da USP, Dennis de Oliveira(Foto:acervo pessoal)

        Para Oliveira, é um “mito que o aluno cotista teria desempenho pior, porque parte do pressuposto de que o desempenho no vestibular é um indicador de qualidade, mas o vestibular não mede qualidade do aluno e, sim, preparo. O repertório que o vestibular exige não é indicador do desempenho do aluno no ensino superior”.

Sobre a desigualdade enfrentada, Francisco Gonçalves finaliza advertindo que existe a possibilidade de piora no cenário. “Se nós não nos debruçarmos sobre a questão do público com prioridade para esse universo da escola pública em si, não vai haver mudança. O que vemos em relação aos governos, tanto atual quanto os passados, é um movimento contrário.”

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