Por Laura Mariano
Com a “desmaterialização” da escola, decorrente do isolamento social devido à pandemia, alunos e professores passaram a conviver num novo espaço de aprendizagem, mediado por telas. Para eles, o novo repertório passou a ser as lives, Zoom, Teams, Google Meet, Moodle, aulas remotas, síncronas e assíncronas, estudo em casa e portais na Internet. A Covid-19 levou escolas públicas e privadas a tentarem solucionar, hoje, questões que estavam sendo debatidas há anos, como a utilização de tecnologias da informação poderia auxiliar no aprendizado.
As tecnologias digitais tornaram-se imprescindíveis, tanto na gestão escolar, quanto no processo de aprendizagem e de avaliação. Para Édison Trombeta de Oliveira, doutor em Educação pela USP, a tecnologia certamente tem potencial para democratização da educação. “Com o uso da tecnologia, uma pessoa de um local afastado consegue ter acesso aos mesmos conhecimentos - e eventualmente à mesma formação, mesmo diploma - de uma pessoa que está localizada nos grandes centros. [...] As videoaulas produzidas por uma rede estadual de ensino básico podem ser acessadas por pessoas de outros estados etc. Mas, como eu disse, a tecnologia tem potencial para democratizar a educação, e não a democratiza automaticamente. A principal questão é: a tecnologia está democratizada?”, questiona.
No Rio de Janeiro (RJ), por exemplo, embora 80% dos estudantes tenham acesso fácil à rede, o governo estadual doou “chips” de celulares a todos os alunos e professores visando ampliar a possibilidade de acesso à Internet. Além disso, firmou parceria com uma TV aberta para a transmissão de duas horas diárias de aulas.
Assim como no RJ, o Governo de São Paulo lançou o Centro de Mídias da Educação de SP, uma plataforma que permite que os estudantes da rede estadual tenham acesso gratuitamente a aulas ao vivo, videoaulas e outros conteúdos pedagógicos durante o período do isolamento social. A plataforma tem capacidade para atender os 3,5 milhões de alunos da rede pública. Além da ferramenta, a TV Cultura transmite as aulas por meio do Canal digital 2.3.
Outra iniciativa da Secretaria da Educação de SP foi distribuir kits com materiais impressos contendo fascículos de Matemática e Língua Portuguesa, quadrinhos da Turma da Mônica, livros paradidáticos e manual de orientações às famílias com informações sobre como estudar em casa no período de suspensão das aulas presenciais.
Na Paraíba, em que apenas 27% dos alunos possuem computadores em casa e 63% têm acesso ao celular, foi preciso criar mais soluções para garantir o ensino: plataforma educacional, templates, aulas via TV aberta e até o tradicional uso de material impresso e roteiros de estudo para estudantes e professores.
Apesar das iniciativas públicas, ainda existe uma grande dificuldade acerca do assunto: o isolamento dos docentes e estudantes. As ações mais evidentes seriam as que envolvem o uso de vídeo e atividades síncronas. Sempre que possível, fazer reuniões ou aulas com câmera aberta aproxima mais do que deixar apenas a foto estática.
"Agora, como fazer com que essa aproximação ocorra onde não há essa conexão com a internet de qualidade? Mais uma vez, a desigualdade bate à porta... Me lembro de ter visto, nas redes sociais, uma tarefa de uma aluno dizendo que não havia feito direito porque nenhum familiar pôde fazer com ela; e a professora respondeu, com todo carinho, que elas fariam juntas quando voltassem presencialmente. Essa professora, com certeza, fez seu melhor nas condições dadas para diminuir o isolamento dessa aluna. Mas a questão estrutural não ajuda”, afirma Édison.
Regina Nunes é professora da rede municipal de educação infantil na cidade de Votorantim, interior de São Paulo, e segue as normas da Base Nacional Comum Curricular que prioriza o “brincar e interagir” na fase preambular da educação, sendo assim, ensinar por meio de telas não foi tão benéfico quanto a vivência presencial e foi preciso adaptar-se ao “novo normal”.
"Nós oferecíamos contato indireto, através do Google Meet. Eu tive que aprender a mexer na plataforma para dar as minhas aulas, e assim eles passaram a me conhecer, ver como eu sou, como eu falo, mas não houve a interação direta, por isso não houve tanto benefícios para educação infantil, porque o eixo norteador da educação infantil é o ‘brincar e o interagir’”, conta a professora.
A estruturação da rotina dentro da sala de aula é muito importante nos anos iniciais da escola. A falta dessa interação social abre uma lacuna na alfabetização das crianças que, por conta da crise sanitária, foram impossibilitadas de frequentar esse ambiente. “A gente propunha nas aulas atividades de brincadeiras, de jogos, mas o contato na sala de aula, onde eles se vêem, riem, trocam ideias, não foi possível, isso foi muito negativo [...], queimou uma fase, as crianças ficaram com um ‘buraco’, porque eles não tiveram acesso ao parque, à Educação Física, momento do lanche e de ouvir a história”, argumenta Regina.
A desigualdade social existente no ensino presencial permaneceu no ensino remoto, por isso até mesmo o conceito de meritocracia precisa ser revisitado. Os estudantes com condições financeiras melhores, continuaram a ter mais oportunidades, inclusive melhor Internet para estudar, enquanto os demais seguem sendo prejudicados, principalmente pela falta de infraestrutura. “Não é uma questão de ter ou não ter tecnologia no ensino, é uma questão de desigualdade educacional”, afirma Trombeta.
Todos os modelos de ensino possuem desafios, o que não seria diferente com a utilização do Ensino à Distância. Apesar de haver um crescimento exponencial de alunos que procuram cursos de graduação do EaD, segundo dados do INEP 2018, nos anos de 2008 e 2018, tiveram um aumento de 182,5%, enquanto os cursos de graduação presencial obtiveram apenas um aumento de 25,9% nesse mesmo período. O que determina um crescimento na participação em torno de 24,3% do total de matrículas.
Ainda assim, aula remoao não é algo tão eficiente nos anos escolares. Para Regina, o ensino dessa forma deixou muito a desejar. Era preciso se reinventar a todo momento, para poder atender ao mínimo que os docentes conseguiam oferecer aos alunos. Educar via telas é uma iniciativa muito difícil, especialmente no início do ciclo escolar.
"Acredito que um grande legado seja ‘quebrar a resistência’ daqueles que, mesmo desconhecendo o assunto, eram contrários [ao ensino à distância]. Mais do que isso: mais importante de tudo é perceber a importância do docente, da escola, da comunidade. Não existe uma tecnologia que resolva um problema da educação. Há tecnologias que podem ser adotadas pelos docentes ou pela comunidade escolar para, com determinada intencionalidade educacional, apoiar a ação didática. Mas o centro disso tudo é a relação professor - aluno, e jamais a tecnologia em si”, finaliza Édison Trombeta.