O cinema sempre foi diverso e repleto de criaturas fantásticas, míticas e curiosas, a maioria criada para despertar medo e pavor em quem assiste. Guillermo Del Toro é especialista em fazer isso: fortes emoções não faltam a quem assiste seus filmes, e seu último não fez por menos. A sua recriação de Pinóquio foi o ganhador do Oscar de 2023 de Melhor Animação e é totalmente distinto do desenho que Walt Disney popularizou.
O longa conta a história clássica, mas seus detalhes são diferentes. Ambientado no contexto da Primeira Guerra Mundial, o filme mostra uma visão sobre o fascismo que talvez nenhum outro filme infantil seria capaz de expressar. Seus personagens são criados a partir da tecnologia de stop motion, e junto às características sombrias que o diretor os deu, se tornou uma animação mais real do ponto de vista social. Com relâmpagos e sombras, ele transforma o desenho infantil em um desenho de horror sobre a realidade, a guerra e as estruturas sociais vigentes, e é essa mudança que os monstros foram encarregados de representar no cinema.
Guillermo Del Toro é muito conhecido por suas representações monstruosas e diferentes das convencionais. Diretor de filmes como O Labirinto do Fauno e A Forma da Água, ele busca representar o monstro, feio, estranho, diferente, como um estimulante do medo e ao mesmo tempo criar uma complexidade emocional nos personagens monstruosos.
Apesar do diretor mexicano ser um dos mais famosos criadores de universos míticos, antes dele, muitos outros filmes e livros já mostravam o monstro como o produtor do medo nas pessoas. Talvez uma das inspirações para a produção tenha sido Frankenstein, uma criação de Mary Shelley no início do século 19 e um dos primeiros escritos sobre o amor em uma criatura sem sentimentos. O monstro feito a partir de partes de corpos de pessoas mortas, feio, que causava horror em quem o via, conhece o sentimento do amor e sai à procura de uma mulher para amar, mas ninguém suporta sua imagem horrorosa.
Tido como um dos pioneiros dos monstros na literatura, ele inspirou a representação do relacionamento do feio com o sentimental, do caráter com a beleza exterior. Tim Burton e Steven Spielberg também foram exploradores, mesmo que mais modernos, dessa característica. Edward Mãos de Tesoura, A Noiva Cadáver, E.T. e muitos outros, são filmes dos diretores que se apoiam nessa temática de horror e sentimentalismo. A questão neles é o apelo ao medo que as pessoas têm do desconhecido e como isso se transforma durante o conhecimento do humano e do monstro simultaneamente.
Apesar de muito comum hoje, poucos filmes que abordam o horror são vistos em grandes premiações. Pouco se fala sobre essa representação do desconhecido se tornando grandes blockbusters do cinema. O doutor em Cinema, Arte e Cultura Contemporânea pela UERJ e autor do livro: “O Monstro no Cinema”, Alex Barbosa, ao blog do site DarkSide, fala sobre dar voz ao horror nas abordagens sobre monstros. “O cinema de horror é marginal por ser muito potente e incomodar as estruturas mais conservadoras. É essencial dar voz e espaço ao horror.”, disse Alex.
Para ele, são realizações repletas de conteúdo do ponto de vista mais imediato, físico e objetivo do lugar do corpo nesse cinema de horror. “Passam pelos processos de compreensão mais filosóficos e de abordagem psicológica. São obras ricas para a pesquisa estética, da violência, do comportamento humano, da psique, dos processos de transmutação”, concluiu.
Quando Frankenstein foi escrito, Mary Shelley já pensava nessa transformação da relação do humano com a criatura diferente, do medo ao encantamento, e por uma separação de séculos, Pinóquio, que também traz essa reflexão, mostra que não há uma evolução na maneira como os monstros eram e são representados, sempre foram vistos como criaturas malignas e acabam se encontrando na história como seres puros e bondosos, apesar das aparências.
Barbosa confirma que essa transformação da representação do monstro no cinema nunca existiu, ou seja, tudo depende do momento em que aquela criatura quer ser representada. “Não há uma espécie de “evolução” da monstruosidade, seja no cinema ou na literatura. Existem elipses, referências, retomadas, retornos. O cinema (incluindo o de horror) realiza inúmeras releituras e retoma temas”, argumentou o autor.
Muitas das histórias que colocam o monstro como protagonista buscam mostrar que o verdadeiro monstro das histórias são os homens. O medo do desconhecido faz com que as criaturas sejam tidas como malvadas, assassinas e até excluídas de sociedades por suas características. Em Pinóquio ou Frankenstein, essa questão é clara, quando, mesmo que os dois sejam desconhecidos, estranhos e com uma aparência diferente dos demais, são criaturas merecedoras do amor e da compaixão do público.
Dessa forma, o cinema do horror e da monstruosidade questiona os ideais de perfeição, consciência e comportamento social, e assim cria o exercício de dissociar a feiura da maldade. Isso permite ao telespectador entrar em outra dimensão e refletir a partir do cinema de horror e da monstruosidade sobre a multiplicidade das questões humanas, a dicotomia entre “bem e mal” e “o bonito e o feio”, além de discutir a empatia e o que é realmente monstruoso na sociedade.