Os aspectos negativos da digitalização sob o olhar de Byung-Chul Han

As novas tecnologias de informação vem sendo usadas pelo capitalismo moderno de uma maneira que ameaça as sociedades democráticas
por
Felipe Abel Horowicz Pjevac
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13/11/2023 - 12h

A digitalização cada vez mais intensa vivida nos dias atuais está presente em todas as esferas da vida e ajudou a inaugurar o capitalismo da informação, uma nova era em que são usados algoritmos por grandes empresas e companhias através de bases de dados; o importante é trabalhar através dos conceitos de informação. Essa interferência digital, que no início era tratada por muitos como algo meramente restrito ao ambiente virtual, tomou proporções enormes e atualmente já atinge o mundo off-line com consequências perigosas na política e nos processos de relacionamento dentro de uma sociedade.

No livro ‘Infocracia: Digitalização e a Crise da Democracia’ (Ed. Vozes, 2022), o autor e filósofo sul-coreano Byung-Chul Han traz como tema central a tese de que a maioria dos aspectos da digitalização vivida nos tempos de hoje ao redor do mundo ameaçam em muito as democracias como sistema político dominante no planeta. Han estudou Filosofia na Universidade de Friburgo e Teologia em Munique e escreveu diversas obras a respeito das relações entre as sociedades contemporâneas e o trabalho, as novas tecnologias, as dinâmicas sociais e o poder na era da pós-modernidade.

Percebe-se que o autor trata a questão da imersão digital relacionada aos problemas do sistema capitalista com uma visão extremamente pessimista e negativa. Inclusive, Han traz argumentos para rebater autores que encaram o tema com mais positividade, com teses como a de que a acessibilidade à internet pode conectar os cidadãos globais em favor de uma sociedade mais unida e eficiente.

O autor diz que tanto o conceito de inserção global quanto a imaginada formação de um coletivo consciente não passam de uma ilusão dos sonhadores. Na realidade, o que mais se enxergaria é a divisão de usuários em ‘enxames digitais’ que se comportam de maneiras radicais e promovem a organização de grupos em bolhas, quase impossibilitando o cruzamento de informações e opiniões distintas.

Quando essas informações de fato são apresentadas a grupos virtuais fechados, elas são rapidamente rebatidas com narrativas decoradas ou são simplesmente ignoradas. Isso se dá devido ao domínio da subjetividade na digitalização: fake news, chamadas sensacionalistas e frases ou falas retiradas de contexto motivam essa ruptura de um determinado grupo com uma grande parcela da sociedade que está ‘do outro lado’.

Esse comportamento é facilmente enxergado nos dias de hoje em grupos de Facebook ou WhatsApp, especialmente em épocas turbulentas da sociedade como períodos eleitorais ou debates sobre novas leis. Nos comentários de notícias, reportagens e até mesmo colunas opinativas, o que se vê são comentários odiosos, falácias repetidas quase que de maneira robótica e muito pouco de fato acrescentado ao debate. Outro ponto de crítica do autor é em relação a propagação de conteúdos cada vez mais rápidos e fragmentados; a atenção é dispersa e o foco é retirado por uma quantidade imensa de informações que chegam de todos os lados sem serem desenvolvidas da maneira adequada; o cérebro humano se habilita a receber muito conteúdo, mas não a interpretá-lo e parar para entendê-lo. A paciência de ler sobre algum determinado assunto por mais de um minuto já não se faz presente.

Esse fato é facilmente exemplificado pela ascensão do TikTok, aplicativo de vídeos curtos e sucintos que, muitas vezes, tenta resumir um assunto extremamente complexo a uma opinião de minutos ou até mesmo segundos. Filmes também são recortados e exibidos em forma de trechos no aplicativo, e o usuário sente que sabe de tudo quando, na verdade, não sabe muito sobre nada. O autor compara a época atual com as críticas feitas na época do domínio da televisão. Han reforça que, apesar da TV criar conflitos midiáticos e resumir muitos assuntos complexos a exposições visuais, ela não produzia notícias ou discursos confusos e falsos e não exercia tantas técnicas de dominação do espectador.

A grande manobra dos produtores e coletores digitais é passar uma falsa sensação de liberdade ao usuário, que se parar para se atentar vai perceber que não consegue mais sobreviver sem esse ciclo de informações e interações digitais. ‘Infocracia: Digitalização e a Crise da Democracia’ traz um alerta forte sobre as possibilidades bem perigosas que a digitalização e a imersão virtual da maneira que estão sendo feitas podem trazer para a humanidade em futuros a curto, médio e longo prazo. Muitas das estruturas que sustentam a base do sistema democrático podem estar em xeque com essa supervalorização do capitalismo de informação; os usuários devem tomar cuidado com o conteúdo que acessam, compartilham e replicam nas redes, além de buscar se informar e debater por outras plataformas e em bolhas diferentes da sua.