Os abismos financeiros no futebol brasileiro

Doze grandes clubes do país vivem em mundos paralelos, mesmo quando se equiparam em campo
por
Guilherme Lima Alavase
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09/06/2022 - 12h

Se o único critério para medir o sucesso de um clube de futebol fosse os seus resultados esportivos, 2021 seria o ano do Atlético Mineiro. Dentro de campo foi batendo quase todos os rivais nas competições que disputou. O investimento no futebol, realizado à custa de um maior endividamento, garantiu resultados positivos. Foi campeão mineiro, faturou o Campeonato Brasileiro após 50 anos, ganhou a Copa do Brasil e quase chegou à final da Libertadores da América. Esportivamente o ano foi espetacular, mas do lado de fora das quatro linhas as coisas não estão boas. É o clube mais endividado do futebol brasileiro, devendo R$ 1,26 bilhão. Seu rival Cruzeiro, rebaixado para a série B, está bem perto do Galo neste lamentável quesito, com R$ 1,02 bilhão em dívidas.

Os mineiros não estão sozinhos nesta difícil situação. Nos principais clubes brasileiros, os chamados 12 grandes (Palmeiras, Corinthians, São Paulo, Santos, Flamengo, Fluminense, Vasco, Botafogo, Cruzeiro, Atlético, Internacional e Grêmio), o montante de suas dívidas ultrapassa R$ 8,7 bilhões.

O endividamento se divide, principalmente, entre impostos não recolhidos e empréstimos financeiros. Em 2021, o Corinthians apresentou o maior endividamento tributário entre os times de futebol (R$ 534 milhões). O Atlético Mineiro é o clube que tem a maior dívida contraída por empréstimos (R$ 580 milhões).

Segundo os dados da empresa Sports Value, em 2021 os 12 grandes atingiram R$ 5,65 bilhões de faturamento. As maiores receitas foram do Flamengo e Palmeiras, que juntos abocanharam quase 40% deste montante.

Parece que o Brasil está seguindo o modelo europeu, que concentra a maior parte das receitas do futebol em alguns poucos clubes. Para se ter uma ideia de valor, em 2021 o Flamengo e o Palmeiras faturaram aproximadamente R$ 1 bilhão cada um, enquanto o Botafogo (estava na série B) faturou apenas R$ 122 milhões. Os valores que os clubes recebem pelo direito de transmissão e premiações apresentam as maiores variações. Enquanto o Palmeiras recebeu R$ 551 milhões, o Cruzeiro (série B) foi o que recebeu menos, R$ 44 milhões.

Quando o Flamengo resolveu vender alguns de seus jovens talentos, como Vinicius Junior, Lucas Paquetá e Reinier, arrecadando quase R$ 450 milhões com estas vendas, muitos torcedores ficaram inconformados, não aceitando a saída de suas “crias da base”, mas foi o dinheiro da venda de jogadores promissores e uma boa gestão que permitiram ao Flamengo resolver parcialmente as suas dívidas (ainda deve R$ 263 milhões) e se tornar uma agremiação poderosa economicamente, com faturamento ligeiramente superior a R$ 1 bilhão anual.

O Palmeiras seguiu a mesma linha: encontrou um parceiro econômico para construir a sua arena multiuso, mudando o perfil de seu público nos jogos, se organizou financeiramente com um forte patrocinador, investiu fortemente na formação de novos jogadores de base. Só para citar três jovens promessas (Endrick, Luís Guilherme e Estevão) que jogam no time sub-17, hoje especulam que poderão alcançar valores próximos de R$ 1 bilhão ao completar 18 anos, quando poderão ser negociados (rumores do mercado indicam uma fila de grandes clubes europeus interessados).

O futebol, além de cultura, se transformou em um negócio rentável que é exercido por profissionais, por isso muitos defendem que os clubes virem empresas. Querem vender os times, como se fosse possível calcular o valor de uma paixão popular. Os novos donos assumem a dívida anterior e todo o patrimônio, história, honra e capacidade financeira de seus torcedores para continuar apoiando o time do coração.

A maioria dos grandes clubes de futebol teve origem popular. Eram os mais pobres que lotavam as arquibancadas, gerais e tobogãs dos estádios Brasil afora. Com as novas arenas e jogos com ingressos caros, o antigo torcedor foi afastado dos jogos. Na modernidade, o futebol não é mais uma diversão para os pobres nas tardes de domingo. Para a maioria dos torcedores, o futebol é um produto que se consome sentado no sofá da sala.