Oppenheimer: a vitória por baixo dos panos

A vitória de Oppenheimer como Melhor Filme e a confirmação de que o cinema "mainstream" ainda é próspero
por
Maria Eduarda Camargo
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20/03/2024 - 12h

No primeiro domingo de março (10), ocorreu a 96ª edição do Oscar. A premiação é o reduto dos maiores filmes do ano de 2023, e encerra a disputa anual na corrida do cinema. Oppenheimer, filme de Nolan, emplacou como Melhor Filme, levando o diretor junto em Melhor direção. Mas nem tudo que brilha é ouro.

O filme Oppenheimer, de Christopher Nolan, levou sete estatuetas do Oscar
O filme Oppenheimer, de Christopher Nolan, levou sete estatuetas do Oscar. Foto: Getty Images

Tendo em vista que a premiação é muito mais do que apenas um “reconhecimento” da indústria para as melhores obras, é importante lembrar como a ela é, na verdade, um aviso para o mercado publicitário. E se a estatueta de Melhor Filme é um aviso coletivo, a de Melhor Direção é um aviso individual.

A verdade é que a vitória de Oppenheimer pouco fala sobre a obra em si. Ela é um aviso para a indústria: guerra, Estados Unidos e masculinidade dão certo. E Nolan, por mais que se destaque em obras anteriores, como Interestelar e A Origem, não deveria ser um exemplo de “prêmio DiCaprio”: ainda há tempo de ganhar com outros longas.

Ao analisar obras um pouco mais antigas, como Túmulo dos Vagalumes e Gen Pés Descalços, exibidos há 30 anos, e que tratam da perspectiva civil japonesa sobre a Segunda Guerra, é possível notar a tendência mercadológica da premiação com o filme. Oppenheimer é uma tentativa de retomada do brilho americano que Rambo entregou ao mainstream de presente, e que vende muito bem.

Um bom exemplo da situação é o fatídico Oscar de 2010, que concedeu a estatueta de Melhor Filme a Guerra ao Terror, deixando para trás dois filmes que valem uma análise mais detalhada: Avatar e Bastardos Inglórios.

O primeiro, sucesso de bilheteria, não emplacou por motivos óbvios: não adianta funcionar com o público, o prêmio vai ao filme que deveria ser um “modelo” para os próximos. É possível comparar a derrota de Avatar, na época, com a não-indicação de Barbie: a Academia não se importa muito com o que o público quer, mas com o que ele deveria querer.

A derrota do segundo, Bastardos Inglórios, dirigido por Quentin Tarantino, é de um estudo um pouco mais detalhado, no entanto. Vale lembrar que em 2008, os Estados Unidos passavam por uma crise econômica. O país do “orgulho capitalista” afundava. O público precisava de um filme “cereja do bolo”: algo que levantasse a moral estadunidense.

E é nesse tipo de momento que as dores do público americano devem ser acalentadas: o 11 de setembro ainda era ferida aberta no imaginário popular. Logo, nada melhor do que um filme sobre a invasão ao Iraque. Guerra ao Terror levantou a bandeira americana de “superação” que o público deveria querer. O resultado? 2011 foi o ano de lançamento do pupilo americano da Marvel: Capitão América. A guerra voltou ao mainstream.

É certo, no entanto, que a temática do americano “dono do mundo” vem sumindo aos poucos, e é aí que mora a cartada final da premiação: quer ganhar? Copie o que dá certo e venda.

Retomando uma última vez o tópico mercadológico do Oscar, é interessante a análise sobre O Menino e a Garça, de Miyazaki. É a segunda vez que o diretor ganha a premiação e se recusa receber o prêmio. A primeira ocorreu em 2003, ano da invasão ao Iraque. Miyazaki condenou a invasão, se recusou a ir ao evento, e deixou Cameron Diaz de braços vazios.

Vale analisar então por que a premiação escolheu este, ao invés de Homem Aranha: Através do Aranhaverso. O primeiro tópico é que a Academia normalmente decide não premiar filmes sem final: se Homem Aranha tivesse sido o último da trilogia das animações, o debate seria outro. Mas existe outro ponto nisso, que é o aviso da Academia com relação ao amor pela animação tradicional. O aviso, dessa vez, vai ao mainstream, que anda escondendo a Inteligência Artificial na porta dos fundos. Quantidade não é qualidade, e a produção fordista dos desenhos atuais não agrada.

Colocando uma lupa sob as outras categorias também, é um pouco contraditório ver o Oscar de Melhor Atriz indo à Emma Stone e o de Melhor Atriz Coadjuvante à Da’Vine. A verdade é que Yorgos, que emplacou Pobres Criaturas em outras categorias mais irrisórias, como maquiagem, logo sofrerá a sina de Scorsese, DiCaprio, e tantos outros: não ganhou quando deveria, e corre contra o tempo.

O espírito jovem de Pobres Criaturas e de Os Rejeitados não passa de uma brisa na tempestade que é o Oscar, isso é fato. Mas, muito além da vitória de Oppenheimer, a derrota de Pobres Criaturas tem a dizer também.

Pobres Criaturas não ter ganhado é, na verdade, um pouco óbvio: a obra não tem aquele formato quadrado que se espera de uma comédia, e decai nos olhos de Hollywood com a duração das cenas de sexo. É fato que entre as prováveis 20 ou 30 cenas sexuais que rolam no longa, a monotonia da sexualização que vemos em filmes como Blonde e o recente Ferrari não acontece: o que incomoda a crítica não é o sexo, mas a falta de sensualidade em Emma Stone.

A derrota de Lily Gladstone, portanto, é o aviso da vez na categoria de Melhor Atriz. A Academia não está preparada para “coroar” uma mulher indígena. Emma, apesar da brilhante atuação, foi o tapa-buraco perfeito. 

A conclusão a que se chega é que, independente do gosto do público, a escolha do Oscar é uma montagem muito bem pensada sobre como a indústria cinematográfica deve andar: o que vende, quem vende, como vender e de qual forma. Oppenheimer é, portanto, apenas mais um dos acasos da Academia.